Seu nome era Ranielda – Neusa Fontolan

— Isso lá é nome de gente? A história não é sobre uma mulher?

— E é nome de mulher, sim! Você não quer ouvir a história daquela que se sentia NASCIDA PARA RICAR? Então me deixa contar. E antes de por defeito no nome dos outros, da uma olhadinha no seu, JOCA LOUVA DEUS.

— Contanto que o nascimento seja de uma endinheirada e não de uma NINHADA. Isso pra mim seria um SORTILÉGIO!

— Eu nem sei por que caio nessa sua lábia… toda vez é isso, me pede pra contar uma história e logo põe defeito. Eu não aprendo A LIÇÃO mesmo!

Joca olhou para Maria com um sorriso matreiro e falou todo pomposo.

— É que eu sou um PÃOZINHO PERFUMADO.

OS OLHOS DE MARIA viraram, demonstrando a AUSÊNCIA da paciência que ela vivia buscando.

— Vai querer ouvir, ou não?

— Manda aí – e fazendo uma falsa cara séria, completou – por favor.
“Ranielda nasceu em meio A POESIA, O SANGUE E O LIXÃO. Seu parto foi terrível. Sem condições de procurar um hospital, seu pai assistiu a sua mãe sangrar até a morte, no pequeno barraco ao lado do lixão. Ela nasceu, porém não respirava. O desespero do homem foi tanto que ele começou a declamar poesias a altos brados, enquanto sacudia aquele pequeno corpo, inerte, em seus braços. Chorou de alegria ao ouvir os primeiros berros de reclamação da sua filha. Beijou sua testa e a chamou de A RENASCIDA.
Seu pai era um bom homem, sozinho a criou com todo mimo que suas minguadas posses permitiam. Ele tirava daquele lixão o sustento dos dois, fazia o possível para servir pelo menos uma boa refeição por dia a sua pequena. Colocava a toalha puída na mesa improvisada com caixotes, distribuía em cima todo o alimento que tinha conseguido durante o dia e dizia a mesma frase, repetida, desde seu nascimento. O AFETO ESTÁ SERVIDO.

‘Afeto, afeto… seria bom ter menos afeto e maior abundancia à mesa – reclamava a ingrata – cadê os frios, queijos, carnes e tudo que é bom?’
‘Isso é coisa de gente com dinheiro’ – paciente seu pai dizia – ‘veja, hoje consegui laranjas e ovos.’

‘Eu nasci para ser rica! – e com um tabefe atirou longe os ovos que se quebraram – não aguento mais essa miséria, tenho que ir embora daqui!’

‘Minha filha, a riqueza está em ter saúde e também ter um ao outro’

‘Não me venha com esse papo furado! Quero tudo que o dinheiro pode comprar, até uma CAMA DE ROSAS quero ter – enquanto falava, pegou os trapos que lhe serviam de cobertas e estavam em cima do único colchão estirado no chão, atirando-os porta afora. Recolheu as poucas peças de vestimenta que tinha, enfiou em uma sacola e disse – Adeus miséria, adeus vida miserável, vou procurar o meu destino que é ser rica. Adeus pai paupérrimo, o pai que nunca pedi pra ter. Eu devia de ter nascido em berço de ouro, nunca aqui.’

Seu pai ficou sem reação com o choque, a única coisa que fez foi ficar olhando até ela sumir de vista. Passaram-se três longos anos para o pai de Ranielda. Todos os dias ele seguia um ritual, colocava a puída toalha sobre os caixotes que serviam de mesa, distribuía os alimentos que tinha conseguido e ia até a porta, onde seu olhar se perdia no horizonte, sempre a espera, sempre a procura de alguém que não vinha…
Mas um belo dia seu coração disparou, viu longe a silhueta de uma mulher, empertigou-se todo com esperança, esta não foi em vão… apesar de estar muito bem vestida, era mesmo ela, Ranielda, sua filha.

Correu ao seu encontro com os braços abertos. Ela quando viu foi ao seu encontro e desabou em um choro incontrolável assim que se viu em seus braços.
‘Chiuuu… calma, minha querida… você está segura agora, nos meus braços, nos braços do seu papai… mas o que aconteceu com você? Porque todo este desespero? Não conseguiu enricar, é isso?’

Com muita paciência ele conseguiu que ela se acalmasse e a conduziu para dentro do humilde barraco. Ela sorriu ao ver a mesa improvisada e posta, exatamente como se lembrava. Seu pai correu colher melissa que tinha plantado em uma lata e tratou de fazer um chá. Sorvendo o líquido fumegante aos poucos, Ranielda começou a falar. Disse que não valia à pena contar os detalhes e iria resumir tudo.

Ela, ao sair dali, foi pra cidade grande e logo tratou de se misturar com pessoas abastadas. O único jeito que via em enricar seria arrumar um marido rico. E conseguiu. Um homem, bem mais velho do que ela, mas muito rico, interessou-se. Quando o conheceu ele era a gentileza em pessoa. Galanteios pra cá… galanteios pra lá… e ela acabou indo morar com ele. No primeiro mês foi tudo uma maravilha, ela tinha tudo o que sempre sonhou, como uma casa luxuosa, jóias, carro com motorista e tudo o mais que o dinheiro pudesse comprar, mas ela percebeu, tarde demais, que não tinha nada, e apenas usava emprestado o que era daquele homem. A coisa ficou feia mesmo quando ele começou a jogar isso na sua cara enquanto a espancava. Ela aguentava calada, não queria viver na miséria novamente.

Um dia, ou melhor, no dia de ontem, descobriu que estava grávida, pensou que talvez isso amolecesse o coração daquele homem… doce ilusão… assim que ele soube a expulsou da casa apenas com a roupa do corpo. Sem ter pra onde ir lembrou-se do seu velho pai, pediu ajuda nas ruas e conseguiu chegar.

Seu pai apenas a abraçou e disse.

‘Vai ficar tudo bem, minha querida… eu tenho um dinheirinho guardado que consegui economizar vendendo latinhas – sorriu ao continuar – afinal nesses três anos eu fiquei sem minha exigente filha. E temos também uma novidade, abriu um posto de saúde aqui perto, você vai poder fazer o pré-natal.’

Os dias passaram com a GESTAÇÃO correndo tranquilamente. O pai de Ranielda desdobrava-se para que nada faltasse a sua amada filha, a única coisa que o incomodava era a tristeza que via sempre em seu rosto.

No dia da criança nascer, ele conseguiu levá-la para um hospital público, e ao contrário de sua mãe ela teve um bom parto. Já instalada no quarto ela dormia, enquanto seu pai a velava.

‘É um menino’ – ele disse cheio de carinho, assim que ela acordou.

‘Eu sei, vi durante o parto’ – ela respondeu sem animação nenhuma.
Nisso uma enfermeira entrou com um pequeno pacote em seus braços. Colocou a criança no colo de Ranielda e pediu que ela o alimentasse. Assim que ela, realmente, olhou para aquele pequenino rosto, nada mais importava, tudo que antes queria ficou para trás, só o que importava era amar e proteger aquele pequenino ser. E seu pai testemunhou O NASCIMENTO DE UMA MÃE.”

Joca que até aquele momento ouvia calado, falou com grande emoção para Maria.
— Foi como a MULTIPLICAÇÃO DO AMOR.

19 comentários em “Seu nome era Ranielda – Neusa Fontolan

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  1. Muito legal,Neusa!
    De onde vc tirou este nome, .Ranielda, mulher!! hahaha
    Ficou emocionante a historia, ficou, sim.
    Deve ser bastante divertido montar estes quebra-cabeças.
    Obrigada por eles!
    Bjão ❤

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    1. Oi Kinda. Obrigada pela leitura. Quanto ao nome apareceu uma menina aqui com o nome Anielda, nós estranhamos e eu resolvi colocar o R de renascida e deu no que deu. Quanto a diversão eu adoro montar quebra-cabeças. Um beijão amiga querida.

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  2. Há pessoas que têm um dom especial. Você tem essa facilidade de desvendar o quebra-cabeças com os nomes dos contos. Não é tarefa fácil. Não é para qualquer um. Parabéns pela história comovente.

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  3. Que barato, amiga! A gente se sente tão especial quando se lê nos teus contos! Amei. Já virou a sua marca registrada, não é?

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  4. Querida Neusa,

    Sempre gosto de sua colcha de retalhos. Fico esperando o momento em que o meu conto vai entrar na brincadeira.

    Neste aqui, especificamente, gostei da leveza, do humor, da emoção. Pensei que a personagem principal, no lixão, fosse a de um dos contos por aqui. “A poesia, o sangue e o lixão – Sabrina Dalbelo”. Mas depois, percebi que não, ou talvez sim, não sei.

    Bom, o fato é eu gostei, como sempre, e, o legal, é que você trabalhou com o tema na “colagem criativa”. 😉

    Parabéns.

    Beijos
    Paula Giannini

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    1. Oi, querida. Não foi minha intenção que a minha personagem principal fosse a mesma do conto da Sabrina, mas eu tinha que usar e aproveitar bem esse título, então deu no que deu.
      que bom que gostou. 🙂

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      1. Oi, Neusa, sei que não foi sua intenção, mas é algo a se pensar. Uma camada extra para os textos, eleger um dos personagens e jogar na sua maravilhosa colcha de retalhos. 😉 Continue nos presenteando com elas!
        Beijosss

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  5. Olá. Se isto não é talento, eu não sei o que é! A forma como você encaixa os títulos de outros contos em seu próprio contexto, é divino! Parabéns pelos “encaixes” e também pela trama, bela e cativante. Abç ❤

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  6. Olá Neusa. Muito boa,essa manta de retalhos. É algo que também costumo fazer, mas aqui e no EC deixo para si, pois é mesmo a sua especialidade. Mas, aqui entre nós, este exercício divertidíssimo, consegue muitas vezes levar-nos por caminhos que doutra forma jamais imaginaríamos, não é? Continue, mas não deixe de participar nas etapas, vai encontrar outro tipo de prazer e, neste mundo cinzento, precisamos multiplicar os prazeres, certo? E o nosso trabalho, de quando em vez, enriquece alguém que nem conhecemos, mas que leu e se alimentou de alguma forma das nossas palavras. Escreva Neusa. escreva tudo e de tudo. Nada de vergonhas ou modéstias! Mostre tudo o que tem para nos dar. Um beijo.

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    1. Que comentário gostoso! Obrigada querida Ana pelo incentivo. E se você também gosta de fazer esse quebra-cabeças, eu não vejo razão para deixar de fazê-lo. Teremos dois e todos iremos ganhar.
      Um abraço bem apertadoooo

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  7. Oi Neusa!

    Que delícia!

    Joca olhou para Maria com um sorriso matreiro e falou todo pomposo.

    — É que eu sou um PÃOZINHO PERFUMADO.

    Dei uma risada com isso…

    Sabe, eu me envolvi na sua narrativa quando você me contou sobre a Ranielda desprezando o pai, depois voltando pra casa e sendo acolhida. Depois um anticlimax no desânimo da mãe e, por fim, o final feliz. Gostei, garota!

    Beijo, grande!

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