(de Fheluany Nogueira)
A maior alegria de dona… … Eta! Perdeu-se o nome! É recomeçar…
Dona Miúda, assim conhecida, foi a alfabetizadora de quase todos os letrados do lugar. Extremosa, severa com os pequerruchos. Tratava os alunos como aos filhos, preocupada em dar bons exemplos e ensinar valores. Nos gestos, como em tudo, produzia impressão de eficiência. Fala grave e segura, em alma de passarinho.
Cabeleira cheia e ondulada, singelo buço sombreava os lábios que se abriam em sorriso limpo. Pele clara, talvez por motivo do trabalho. E, pelo mesmo motivo, uma ligeira corcunda adquirida ao curvar-se repetidamente sobre as carteiras, para a conferência dos trabalhos. Braços longos, pés visíveis. Muito fina de corpo, a custo se equilibrava sobre pernas de cegonha. Enfim, Miúda era alta, espigada… acima da média.
Se as panelas estavam em cima do armário, media a distância, nas pontas dos pés, erguia-se e tateava-as. Então as puxava com a polpa dos dedos. Quando a mãe informava:
— A lâmpada da sala está queimada! — Sete irmãos, nenhum se movia…
E os galos na cabeça! Sempre havia uma justificativa. Na Páscoa, os ovos dependurados no mercado foram um inferno na vida de Miúda. Não que doesse, era apenas chocolate (E, difícil ficar zangada com chocolate.), mas o leve susto de se chocar com um e ouvir aquele “toc”, já valia a revolta.
Na cama, os pés acabavam de fora. O marido achou que ela merecia mais conforto, móveis sob medida. Os espelhos foram erguidos. Como Miúda conseguiu tão zeloso companheiro? Não foi fácil não. Trocou de pares por vezes…
A primeira questão foi com Miúda e namorados saindo para passear. Os molengas não acompanhavam as pernas longas. Para ela, ritmo normal, mas para os parceiros… Se saiam de carro, a dificuldade era acomodar três ou quatro dos irmãos e mais as pernas-espigão.
Então, Gumercindo, amigo de infância, declarou-se apaixonado, em arroubos:
— Miúda é como a palmeira do alto da colina. Resiste a todas as aspirações… — O sonho era ter aquela palmeira plantada em sua casa. Única, exclusiva. Somente dele. Ele não se sossegava ao convite verde no chamar dos leques.
A moça sabia, por certo, que era única, insubstituível. Intocável, nas alturas, pregava a verde esperança. Amor correspondido.
— O amor não tem tamanho e deitado todo mundo é compatível. — Gumercindo subia no banquinho para beijá-la, não queria que a formosura se queixasse das costas. Bastavam os saltos altos que ela abandonara, porque quis, bem entendido. Ele lamentou muito… eram tão elegantes. No dia do casório, foi uma sugestão do desesperado fotógrafo.
É, o apelido estava muito ao contrário. De onde ou de quando vinha aquele “miúda”?
O pai era o farmacêutico da redondeza. Muito bem conceituado e quase sempre exercia o papel de doutor — consultava, receitava, manipulava, selecionava e dispensava os medicamentos. Não havia médicos nas pequenas cidades, naquela época. Ela, Augusta (Nome lembrado!), nascera prematura, baixo peso e pouco desenvolvia. A mãe vivia se queixando com o marido:
— Essa menina parece anã, não cresce. Tacanha.
— Nanica… Coitada da pequena… Pedaço de gente — buliam os moleques.
E tanto falaram, e tanto zoaram que se esqueceram de Augusta. A menina de tão mínima, tornou-se Miúda.
O boticário, perito na profissão, preparou com todo cuidado uma poção para a filhota perrengue.
— Atenção! Este remédio é forte demais. Dê à menina uma colherinha de café pela manhã e outra à noite antes de deitá-la — alertou à mulher.
A mãe ministrou a primeira dose naquele sábado à noite, conforme a orientação recebida. A segunda dose no domingo cedinho. Mas não se conformava com aquela miudeza! Consternada, olhou para a colher tão miúda, mirou a garota tão Miúda, soltou um “ai” tão sofrido… Volveu os olhos, novamente, para a colherinha e, acabou lançando-a para a pia. Tomou uma colher de sopa, encheu-a bem e enfiou goela abaixo da minguada. Pensou um pouco e… mais uma colherada e, outra! Meio frasco já se fora, de uma só vez…
Os irmãos saíram para a missa das nove, a das crianças. Todos elegantes, como convinha à prole do distinto casal. Miúda trajava um vestidinho rosa de cambraia, sobre ele um bolero listrado de branco e rosa, sapatinho branco com meias de algodão. Uma pequerrucha princesa. Se bem que o lindo e delicado vestido sobrava um pouco na cintura e sobre os pés, mal se viam as mãos debaixo das mangas do casaquinho. Um manequim menor cairia bem.
A igreja lotada. Miúda no desvão da porta lateral para tomar fresca. Que calor! Mas, já no momento da comunhão, a menina começa a sentir certa friagem nas pernas, nos braços e até na cintura! Também percebeu, meio sem jeito, que o pessoal a encarava. Estupefação. Os olhos correram pelo corpo. As roupas… encolheram? Não havia chuva… Saiu correndo para casa. Desengonçada. Vestimentas apertadas, sapatos nas mãos.
— Que é isso, Miúda! — a mãe, estado de choque — Será que exagerei?
— Ah! Poção em exagero. Efeito irreversível. Não avisei, mulher? — o pai acudiu ao assombro.
Deste dia em diante, Miúda cresceu e cresceu demais! Ultrapassou irmãos, primos e vizinhos e amigos. Meramente, a alcunha restou. Não era mais miúda; todavia, Miúda continuou. Se não era assim batizada, assim era instituída, naturalmente.
— Pena que papai não patenteou o xarope. Teríamos ficado muito ricos com tanta miuçalha por este mundo afora! — Miúda assim arrematava as explicações para o porte e para o apelido que ninguém conseguira alterar.
Olá, Fátima!
Adorei a estória de Miúda. Amei do começo ao fim. Senti falta apenas de uma cronologia mais bem definida em que as agruras que ela fosse experimentando ao longo da vida acabassem num clímax como no casamento, e o noivo abraçando sua miúda desde que ela não usasse saltos, ou ele usasse saltos, a solução sobre a cama sob encomenda foi perfeita, quaisquer coisas semelhantes que acabassem por adequar um ao outro. Senti falta também sobre como Miúda se sentia a respeito dela mesma, sua visão sobre o fato de passar de miúda a uma pessoa de dimensões arrojadas. A parte final, utilizando de certo humor foi soberba. Percebi um errinho apenas:
Tratava os alunos como aos filhos > Tratava os alunos como filhos
No mais, muito bom!
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Obrigada, Sandra pelo simpático comentário. Realmente, haveria muito mais a escrever sobre Miúda, mas optei por focar no apelido, o porquê dele, sem aprofundamentos psicológicos. Quem sabe mais adiante? Quanto ao objeto direto preposicionado “aos filhos”, também foi uma escolha, para significar “os filhos próprios” e, não como qualquer mãe trata seus filhos, de forma genérica. Foi boa sua observação, fez-me pensar mais um pouco. Abraços.
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Querida Fátima,
Tudo bem?
Engraçado como muitas de suas escolhas como autora, dentro das etapas por aqui, tocam ideias muito próximas às que tive inicialmente. Antes de descobrir que eu não conseguiria cumprir o prazo para um texto inédito, devido a meu lançamento de “Pequenas Mortes Cotidianas” e decidir por postar um conto mais antigo (que aliás também integra o livro), havia pensado em escrever sobre a vida de uma anã. Aí vem você e escreve sobre uma pessoa que cresceu demais. Gostei.
Seu conto passeia pea realidade fantástica, contando a história de Miúda com a naturalidade que o gênero exige. A moça bebe um elixir, cresce demais, e todos, apesar do espanto inicial, tomam tal evento como algo perfeitamente natural.
O conto e muito gostoso de se ler, e, causa um tipo de estranhamento interessante durante o desenrolar da trama.
Outro ponto forte é a boa dose de humor no qual a narrativa se baseia. Quase como uma Alice no país das maravilhas, a menina cresce de uma hora para outra, deixando tornozelos à mostra, roupas pequenas e parecendo ter encolhido subitamente. Crescer é um fenômeno lento para a percepção humana. Não notamos que nossos filhos, plantas ou animais de estimação cresceram, exceto nos momentos em que os comparamos com tamanhos que eram outrora ou quando alguém que há tempos não os via comenta. Optar por um crescimento a olhos vistos é o que empresta um charme todo especial a este seu trabalho. É quase como se houvesse uma mudança no fluxo do tempo, mas só para Miúda.
Seu conto renderia muito mais histórias, se você assim desejasse, com narrativas sobe a vida de Miúda, com todas as dificuldades e facilidades que crescer desse modo acarretariam. A história daria um belo trabalho de fôlego maior, para jovens que sofrem com o bulliyng por exemplo.
Parabéns pelo trabalho.
Beijos
Paula Giannini
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Olá, Paula! Você sempre estimulando! Obrigada pela carinho e parabéns pelo livro. Estou lendo e gostando muito. Seu estilo é inconfundível, impecável.
Quem sabe ainda me animo a escrever mais sobre a Miúda. Ela passa por situações opostas e sofreu com achaques em ambas. De fato, há bastante pano para as mangas. Neste projeto, estou tentando ter apenas mulheres como protagonistas. Veremos até onde dá para ir. Beijos e sucesso para você.
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Dona miúda cresceu demais, a culpada foi a mãe, o apelido já não condizia.
É engraçado essa coisa de apelido. Meu filho é chamado pelas irmãs e sobrinhos de ‘nego’ e ele é loiro de olhos azuis, branquelo mesmo! kkkkk
Gostei do conto
Muito bom
Parabéns
Meu forte abraço.
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De Miúda a varapau! Coitada, não deve ter sido nada fácil. Obrigada pela leitura e comentário carinhoso. Amei o seu texto com os títulos. Beijos.
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Gostei muito da inversão da história, de adulta para criança. Realmente um crescimento fantástico. Só no fim entendi que o foco não era Miúda e sim o seu nome.
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Olá, Catarina. Vamos ver se vou aprendendo a fazer comédias com você. Obrigada pela leitura e comentário. Abraço.
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Pensei que já tinha comentado este conto delicioso. Mas que narrativa divertida, hein, garota? Uma menina que cresceu além do esperado e que me fez lembrar do meu cunhado (também nascido prematuro) que passou dos 2 metros de altura.
O que encontrei de falha de revisão foi:
singelo buço sombreavam> singelo buço sombreava
No mais, apreciei o jogo das palavras, das frases bem colocadas como: “Resiste a todas as aspirações… ”
Parabéns!
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Que bom ter se divertido com Miúda! É ficção, mas tenho uma tia mais que alta.
Obrigada pela leitura e agradável comentário e, sobretudo, por observar a concordância. Havia escrito, primeiro, “finos pelos” – mudei para “buço” e esqueci do verbo. Acontece. Beijos.
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Aí, Fheluany! Pensou fora da curva e criou um texto que não sobre crescer em idade, mas sobre crescer em tamanho. Uma pena que esse teu xarope aí só exista na ficção. Adoraria ter uns vinte centímetros a mais. Amiga, gostei demais do seu conto. Gostosíssimo de ler, leve, divertido, e muito bem escrito. Um dos mais originais desta etapa do projeto literário. O apelido da Augusta ficou um barato. Ah, tudo bom demais aqui. Perfeito.
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Obrigada, Iolanda! Sua opinião é muito importante para mim. Vamos ver lá com Miúda se não tem um pouco da poção ainda. Beijos.
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Cruzando os dedos.
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Eu me lembrei da Dona Redonda de Saramandaia. Nesse trecho eu jurava que Miúda explodiria ou cresceria como João e o Pé de Feijão. Muito bom: “Estupefação. Os olhos correram pelo corpo. As roupas… encolheram? Não havia chuva… Saiu correndo para casa. Desengonçada. Vestimentas apertadas, sapatos nas mãos.”
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E um exagero, hein Catarina? Obrigada pela leitura e comentário. Beijos.
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Fheluany, o seu conto da etapa Crescer enveredou para o crescimento mesmo, gostei D+. Adorei as brincadeiras com o apelido de Miúda em contraponto ao tamanho dela, e a revelação do verdadeiro nome, Augusta, perdido na 1a. frase, muito criativo, e também foste muito feliz na escolha das metáforas e comparações, destaco: “Miúda é como a palmeira do alto da colina. Resiste a todas as aspirações… — “O sonho era ter aquela palmeira plantada em sua casa”, arrancou-me risadas. Parabéns menina, abçs.
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Obrigada pela leitura e comentário tão simpático. Apelidos são assim mesmo, depois que “pegam”, não precisam de lógica. Beijos.
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Hehehe que gostosa, uma história fantástica.
Miúda é cativante mesmo sem a conhecermos muito, só devido a sua condição e à condução da autora neste texto meigo.
Você colocou um humor bem sutil, q nos faz rir de simpatia.
Parabéns pelo conto, Fátima.
abração
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É bom fugir do racional vez ou outra. Poderia estender as amarguras e alegrias da Miúda, optei pelo mais leve. Obrigada pela leitura e comentário. Beijos
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Olá. Será que ela tomou o Biotônico Fontoura? rsrsrs Para mim não adiantou não! Interessante este teu conto, Fheluany, e como os apelidos são estranhos, não é? Muitas vezes não tem nada a ver com ‘o dono’, então o jeito é inventar umas histórias para explicá-lo! Abç ❤
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Olá, Vanessa! Também tomei o biotômico. Obrigada pela leitura e simpático comentário. Beijos.
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Oi Fátima. Um toque de realismo mágico no seu conto. Adorei a cena da Miúda crescendo além do vestido e correndo. Queria ser eu a tê-la escrito… Adorável e cativante a sua Miúda. E muito felizes os recortes que você escolheu para descrevê-la. Sempre um prazer ler suas histórias. Beijo grande.
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Obrigada pela leitura e comentário tão cativante. Deve ser triste não caber nas próprias roupas… e de repente. Beijos.
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É uma história muito tudo de bom! Amei a Miúda, que de miúda não tinha nada. Amei a maneira como contou a história dela. Ela foi me conquistando aos poucos e ganhou o meu amor. Seu texto é bem humorado, tem fluidez, é leve e gostoso. Parabéns!
Grande e carinhoso abraço!
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Obrigada pela leitura e comentário tão simpático. Beijos.
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Oi, Fátima!
Amei a história de Miuda, que de miúda, no final das contas, não tinha nada.
Muito criativo, admiro demais isso nos seus contos, na sua escrita, adoro!
Beijos! ❤
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Obrigada, Renata! Você é gentil no comentário. Abraços.
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Olá Fátima. Eu quero esse xarope! Não exatamente para mim, mas para todos os baixinhos e baixanhas que conheço e quase sempre sofrem por sê-lo. Cresci desmesuradamente em criança e tive muitas alcunhas devido a isso. Não foi xarope, foi doença, mas a verdade é que naquele tempo as pessoas eram bem mais baixas do que são hoje e eu, com 10 anos, já tinha mais de 1,60m, imagina? pois era. Bem, o bullying passava-me ao lado, afinal quem não gostaria de ser como eu? Acreditava nisso, como acredito ainda. Apesar de, tão subitamente como despoletou o meu crescimento, a doença travou-o também cedo e acabei por ficar com um simples 1,70m que hoje em dia nem sequer é nada de especial. Foi um alívio para o meu pai quando parei de crescer – ele receava que eu chegasse acima dos dois metros. A minha história, em todo o caso, daria muitos contos. Então a sua miúda, não perdeu nada com o erro da mãe. E eu continuo a querer esse xarope. Como disse, não para mim, mas para quantos conheço com desgosto de ser baixos. E outro para beleza. Esse já tomaria em larga dose – a beleza também ajuda a auto-estima e não me favoreceu particularmente. Tardei em compreender que o foco da história era o crescimento físico da miúda. Foi o único contou entre os que li até agora centrado nesse aspeto. E resultou muito bem. Parabéns. Um beijo.
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Obrigada pela leitura e simpatia ao comentar o conto. Escreva a sua história, vai ser interessante, sobretudo com a sua habilidade com as palavras, Abraços carinhosos.
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Que gracinha de conto Fátima!! Você usou o verbo crescer ao pé da letra mesmo! Gostei demais do seu conto, tão singelo, tão delicado, me lembrou um conto de fadas, vou ler pra minha filhinha!! Seria bom se existisse mesmo esse xarope, ia dar pra minha irmã… Kkkkk. Ótimo conto. Parabéns!
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Que delideza, Priscila! Você ler minha história para sua filha é uma honra. Obrigada pela leitura, comentário e carinho. Beijos.
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Oi, Fheluany!
Terminei seu conto dando risadinhas, ele é engraçado, mas com a sutileza que já é uma característica do seus textos.
A forma como foi construído foi bem inteligente, eu não esperava que se tornasse algo fantástico, acho que isso deixou o texto muito mais interessante. Miúda é uma ótima personagem, gostei de passear por sua histórias, sua família, seu passado e seu presente. Devia ter patenteado sim, já pensou o sucesso que isso faria? Uma das muitas ”lições” do conto é que devemos respeitar a ‘bula” de qualquer remédio rss
Parabéns pelo texto.
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Obrigada, Amanda, pela leitura e comentário simpático. Até os médicos dizem que não devemos ficar lendo bulas, mas penso como você. Beijos.
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