Pão do Céu – Paula Giannini

Ingredientes

  1 Xícara (chá) de leite

1 Lata de leite condensado

200 Gramas de açúcar

Pão para rabanada, fatiado

3 Ovos

2 Colheres (sopa) de canela em pó

Óleo para fritar

— Quando crescer… — Eu explicava. — Quero ser chefe de cozinha. — Como vira no restaurante em que jantamos naquele Natal. Meu pai, minha mãe, meu avô, meu irmão e eu.

Na bancada, os ingredientes já estavam arrumados. Um a um. Lado a lado. Prontos para sua função. Compor o meu preferido entre todos os doces de todo o mundo. Ou ao menos do meu mundo.

O Pão do Céu da Vovó Beatriz.

O líquido grosso estava na textura certa. Uma mistura perfeita entre a xícara de leite e a lata de leite condensado. O próximo passo seria mergulhar o pão naquela piscina. O caldo branco, na tigela azul aguardava o salto das fatias, cortadas com 1 dedo de espessura cada.

 

— Nem um milímetro a mais ou a menos. — Vovó me ensinou, quando abriu, como em todos os anos, a nossa temporada de Natal.

 

A tradição de escolher um de nós, seus netos, para o papel de ajudante oficial do ano era aguardada ansiosamente por todos. A função incluía, entre outras coisas, montar a árvore, quebrar castanhas, e, minha preferida entre todas as outras, cozinhar, ou melhor, fritar deliciosos Pães do Céu, que seriam servidos no momento mais importante da ceia. Meia noite. Horário exato da chegada de nosso convidado especial. Aquele era o prato preferido do Papai Noel.

O Bom Velhinho, porém, não costumava comer a sobremesa conosco. Cheio de casas para visitar, apenas mais tarde, quando todos já dormíssemos, ele entraria, pé ante pé, e provaria o pratinho que o sortudo ajudante deixaria para ele na janela, ao lado de um copo de leite bem gelado.

Não era fácil ser o ajudante do ano. Era preciso passar em testes complicados. Disputa justa, com regras definidas ao final do brinde ao novo ano que se iniciava. Para ser a escolhida, eu deveria passar os próximos 365 dias ajudando nas tarefas de casa, lendo ao menos um livro por mês, e, o mais difícil entre todos os critérios, ser a vencedora na disputa do corte preciso das fatias de pão.

Naquele ano, eu treinei muito e todos os dias, incansavelmente.

Naquele ano, eu era a escolhida.

Naquele ano, vovó não cozinhou.

Estava cansada, explicou mamãe.

Estava ocupada, papai gaguejou.

Estava adoentada, meu irmão cochichou.

Vovô, no entanto, não disse nada. E, talvez por isso, acreditei na versão que ele parecia me contar com os olhos. A de que vovó, na verdade, estava nesse exato momento, em uma cozinha mágica dentro da qual só os duendes do Papai Noel tinham permissão para entrar. Os duendes e Dona Beatriz. A única capaz de fazer as delícias que levavam todos do Polo Norte a babar. E apenas por este motivo, vovó não pôde provar conosco a ceia preparada naquele restaurante famoso de nossa cidade.

Entrada. Prato principal. E sobremesa: Uma fatia de Pão do Céu, que no restaurante, o Mestre Cuca chamou de Rabanada, servida ao lado de uma bola de sorvete.

Sorvete de creme. Experimentei intrigada, me perguntando o motivo de nunca ter tido essa ideia. Rabanadas. Provei desconfiada, experimentando um doce muito bem feito. Eu precisava, porém, ser sincera… O Pão do Céu da minha avó deixava aquele outro, de longe, no chinelo.

Mamãe corou. Papai pigarreou. Meu irmão não conteve o riso. E vovô não conseguiu conter a lágrima que, segundo ele, era só um cisco que arranhara seus olhos durante toda aquela noite.

 

Modo de Preparo

Molhe as fatias de pão na mistura de leite condensado e leite, colocando-as, em seguida, em uma peneira para escorrer o excesso. Bata os ovos ligeiramente com um garfo e passe as fatias neles. Frite em imersão e retire quando estiverem douradas. Escorra.

 

No fogão do restaurante, o óleo quente já aguardava o chiado característico de quando se frita algo que está molhado. As borbulhas na frigideira avisavam. Perigo! Somente alguém que realmente saiba o que está fazendo pode mergulhar a escumadeira ali. Perigo! Somente alguém treinado pode retirar dali as pequenas torradas douradas e úmidas, depositando-as no papel toalha.  Perigo! Só quem sabe fazer isso é a vovó. E eu. A ajudante daquele ano.

 

Modo de Servir

Faça uma mistura de canela e açúcar e passe o Pão do Céu nela.

 

— Você tem que passar os pãezinhos ainda quentes na mistura… — O cozinheiro do restaurante sorriu ao perceber o segredo da receita de família. Polvilhar o pão ainda quente. Assim, o açúcar, levemente derretido, formaria uma fina camada crocante.

 

Naquela noite, percebi o truque de vovô ao convencer o Chefe a ser o meu ajudante.

Naquela noite, voltei para casa com as duas mãos ocupadas. Com uma delas, eu levava uma sacola cheinha de Rabanadas do Céu – também aprendi alguns segredos naquele Natal, – com a outra, eu segurava firme a mão de meu avô, que, mesmo com aquele cisco nos olhos, deixava escapar, lá no fundinho, um brilho quase feliz de doçura. Meus pãezinhos seriam deixados na janela. E em um pires bem bonito, ficariam à espera da pessoa mais importante para mim naquela noite.

 

— Vai deixar aí para o Papai Noel? — Vovô, lá no fundo, já conhecia minha resposta.

— Não. — Eu deixaria para a vovó!

 

Eu estava crescendo. E sabia muito bem o lugar onde Dona Beatriz, quebrando a casquinha crocante, mergulharia os dentes no miolo macio de leite doce.

E foi naquela noite que entendi, finalmente, o significado do nome daquele Pão. E repeti a sobremesa ao lado de meu avô. Vovó estaria para sempre conosco. Alia, naquela receita.

 

***

 

17 comentários em “Pão do Céu – Paula Giannini

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    1. Aqui levam, Ana. Ao menos na minha família. Brasileiro gosta de tudo doceeee. Hahahha Obrigada por ler e comentar tão rápido!

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    1. Oi, Renata,
      Voltando hoje aos comentários para deixar tudo em dia, percebi que deixei esse aqui passar.
      Obrigada pelo carinho.

      Beijos
      Paula Giannini

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  1. Ah… As lembranças. Sempre nos batem de frente. Minhas melhores lembranças de Natal são lembranças de infância, de pessoas que, ainda bem, não se perderam em mim. Só o que se guarda são sabores, cheiros, sons e vozes, e gente que, mesmo tendo ido, permanece rodando na sala, sentados à mesa, sorrindo e dizendo que o tempo é só mais um detalhe, como um eco perpétuo dentro de nós.
    Parabéns pelo texto!

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    1. Querida, como sempre, seu comentário é um conto à parte. Obrigada por ler. Também morro de saudade daqueles que hoje vivem em mim. Beijos

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  2. Menina Paula, que conto lindo. Lendo-o voltei para velhas porém muito presentes lembranças da minha infância.

    Não é das comidas da minha avó que eu me lembro hoje, mas de uma irmã solteirona dela, a Tia Áurea. Pequena, magra, asmática e nervosa, ela provocava um certo medo em nós, os muitos netos da vovó Stela. Talvez para compensar o mau humor habitual, ela gostava de fazer uns lanches para nós: normalmente umas rosquinhas de goma ou umas bolachinhas minúsculas fritas na manteiga e polvilhadas com sal. Confesso que nunca fui muito fã de nenhum dos dois quitutes, comia mais pela folia, fingindo que gostava para agradá-la.

    Comida e emoção andam de mãos dadas. E rabanadas são a cara das nossas avós. Parabéns pelo lindo texto que abre caminhos para o passado de cada leitor. Um texto terno e quente como rabanadas frescas com açúcar e canela.

    Adorei.

    Beijos.

    Iolanda.

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    1. Iolanda, linda.
      Pensei que já tivesse respondido esse aqui. Falha minha. Falha total.
      Você me faz vaidosa e emotiva. 😉
      E aí, já fez as rabanadas?
      Eu fiz uma novas, de panetone, pode? Nossa, fica de comer chorando.
      Obrigada. Obrigada. Obrigada, sempre.
      Beijos
      Paula Giannini

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      1. Ainda não fiz. Eu estou na nutricionista e aquela monstra regula até as tomates que eu como. Só tenho direito de tomar sorvete uma vez por mês. Mas um dia eu me revolto e faço, rs. Aí te conto.

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    1. Querida Fátima,
      Tudo bem?
      Obrigada pelo carinho da leitura, como sempre.
      Rabanadas, para mim, são memória viva. 😉
      Beijos
      Paula Giannini

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  3. Como sempre, acho seu conto lindo, perfeito.
    Sabe que eu vim provar uma rabanada agora, depois de velha? Isso porque um dia cismei, procurei uma receita e fiz, senão teria morrido se provar 😦
    Parabéns, querida 🙂

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    1. Querida Neusa,
      Estou com saudade de você.
      Por onde anda?
      Obrigada por ler, por comentar com tanto amor.
      Beijos
      Paula Giannini

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  4. Este é um conto para se ler com lágrimas nos olhos. Que bom que a menina guardou uma boa recordação de sua avó e a relembrará a cada Natal que passar ao lado da família. Abs ❤

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    1. Querida Vanessa,
      Sempre há um pouco de nós em nossos textos. Em meu caso, quem fazia as rabanadas era uma tia avó. As melhores do mundo. Ainda assim, sempre lembro de meus avós em contos. Sou privilegiada. Tive os 4 por muito tempo (embora nunca seja suficiente) e com um amor maior do mudo. 😉
      Obrigada pelo carinho da leitura e do comentário.
      Beijos
      Paula Giannini

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