Café – Evelyn Postali

Você nunca sabe o que esperar das pessoas. Aquele, por exemplo, vem de vez em quando, pede um café cortado, não diz bom dia, nem obrigado. Entra mudo, sai calado. Aquelas duas, na mesa do canto, vêm ao cinema, param para o lanche e discutem o filme até a exaustão. Nesse universo da cafeteria, aparece de tudo um pouco.

E essa que está falando com você sou eu, analisando a clientela da cafeteria. Todos os dias os tipos mais estranhos sentam-se para um café.

Esse aí, sentado à minha frente, com olhar fixo nos meus cabelos é o Roberto. Ele vem aqui todos os dias, praticamente no mesmo horário. E, quase sempre, sou eu quem serve o café para ele. Eu preparo o pedido com cuidado porque ele segue cada ação minha até a xícara ser colocada à sua frente. Não quero que nada dê errado, especialmente porque ele me trata muito bem. É gentil, educado e simpático. Diferente de outros exemplares estúpidos. Eles sentam como se tivessem direito de deixar sair pelos poros a falta total de respeito e cuidado para com quem os serve.

Eu puxo assuntos com ele. Pergunto desde a cor da moda até o resultado do futebol. Na parte da manhã, leio as notícias na rede para, depois, perguntar a opinião dele sobre o assunto. Só para fazê-lo ficar, entende? Ele responde. Eu pergunto outras coisas. Minha colega me olha e sorri. Entrego os pedidos para os outros clientes com agilidade porque, em seguida, é sempre possível ficar no balcão, jogando conversa fora com ele.

Ontem ele pediu um expresso. Hoje um cappuccino. Nunca pede a mesma coisa. Nem em ordem, se analisar a semana. Contudo, é sempre café.

Hoje ele está vestindo azul em vários tons. Combina com o olhar castanho claro e com a cor escura da pele. Além do mais, ele mudou o perfume. A fragrância é diferente. Minha mãe sempre me chama de indiscreta quando observo a aparência das pessoas com tanta minúcia ou outras particularidades. Mas não faço isso com todos. Nem faço isso sempre. É com ele. Só com ele.

Talvez ele seja sozinho, mesmo. É antevéspera de ano novo e ele está aqui. Se eu não fosse tão preocupada com a reação da minha mãe – porque minha reputação diz respeito a ela – investia nele. Sei lá! Dava em cima. Quebrava esse gelo. Sabe aquele sentimento incômodo e que não larga você de jeito algum? Eu o convidaria para jantar em algum lugar diferente. Quem sabe um cinema, ou um bar com música…

Daqui uns cinco minutos ele vai sorrir, me dizer obrigado e até logo, seguir para o caixa e sair. Uma rotina bem conhecida. Vamos nos despedir com um aceno e nos veremos na segunda-feira outra vez, ou melhor, na terça-feira, já que amanhã é domingo.

Ele trabalha na loja do primeiro piso, Áudio & Som. Tem um carro de segunda mão e estuda inglês. Já me falou que quer fazer vestibular de novo, agora que terminou o Ensino Médio.

— Obrigado pelo café.

— De nada!

Não falei? Lá vai ele para o caixa. E você pensando que… Ele está voltando. Deve ter se esquecido de algo.

— Se não nos vermos, feliz ano novo!

— Pra você também.

O que você pensou? Que ele me convidaria para sair? Humpf! Você estava torcendo, não é? Eu sei. Eu sei. Mas não desanime. A tarde ainda não terminou. Vai que o Papai Noel tenha recebido minha cartinha e esteja querendo me fazer uma surpresa…

30 comentários em “Café – Evelyn Postali

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  1. Ah, esse conto é muito gracinha. Já havia lido, já havia torcido por este casal bacana, já havia criado uma continuação com final feliz para os dois na minha cabeça. É o tipo de conto que se relê e fica feliz sempre que repete, porque é uma delícia. Dá para imaginar o café, a moça, o rapaz, até a fumaça saindo das xícaras.

    Sabe, moça: eu amo cafés. Principalmente aqueles que colocam dentro de livrarias. A gente vai lá para comprar livros e encontra amigos, ou o contrário – A gente vai para lanchar e acaba comprando livros, quem nunca.

    Amei tudo. Show. Beijos.

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  2. Amo café, pelo aroma, pelo sabor e calor, mais, pelo lado social e pela integração. Foi este aspecto que o texto explorou. Ótimo, resultou em leveza, diversão e romantismo. Parabéns pelas imagens criadas com grande visualidade e emoção. Excelente trabalho. Beijos.

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  3. Evelyn, vc escreve tão bem! A gente vai seguindo a história sem entraves, vendo os clientes entrarem e saírem da cafeteria e sentindo cheirinho de café. Uma delícia!
    Só achei o final abrupto. Esperava algo mais forte, arrebatador, encorpado como um bom café deve ser. Não esperava um final óbvio, com o Roberto a convidando pra sair, apesar da torcida. Mas também achei muito ‘ralo’ esse final do ‘talvez’, do ‘quem sabe o Papai Noel me atenda’. Queria algo que arrematasse com mais firmeza essa história. Porque eu achei muitíssimo inspirada essa sua ideia de um conto ambientado numa cafeteria, com uma protagonista tão observadora e sensível, a perceber ou imaginar nuances da personalidade dos clientes. Muitas coisas podem surgir dessa premissa. Fiquei com vontade de tomar mais um café!
    Quem sabe lançamos um desafio cuja única regra seja que a história se passe numa lanchonete?… 😉

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    1. Obrigada, Juliana! Obrigada pela leitura e comentário.
      Confesso que não pensei em um final feliz. Nem em um final infeliz. Então, deixei o final incerto, para não me arrepender mesmo. Assim, se tomou um cafezinho, se pensou sobre as possibilidades… Quem sabe, não é? Talvez fique só por assim, ou quem sabe no final da tarde o Roberto volte e a tome em seus braços e a carregue para uma noite romântica…
      Grande e carinhoso abraço!

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  4. Ah, que conto mais gostoso de ler, Evelyn! Vamos nos envolvendo com a expectativa da narradora e torcendo mesmo para que o moço a convide para sair. A rotina simples, delicada, comum de uma funcionária de cafeteria, encanta sem grandes malabarismos de palavras. A narrativa flui que é uma beleza, quando vemos, já acabou. E o moço, hein? Será que no ano novo rola algum romance? Beijos.

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    1. Obrigada pela leitura e comentário, Claudia! Pois é… Vamos ficar na torcida. Como eu sou positiva, eu acredito que sim. Ele voltou no final da tarde e a convidou para sair.
      Um grande e carinhoso abraço!

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  5. Querida Evelyn,

    Demorei, mas cheguei.

    Já li faz tempo. Foi bom demorar, pois reli. 😉

    Adorei a construção do conto. Como a garçonete fala do cliente e aos poucos a gente vai se envolvendo com ele, com a história, com eles, com a torcida de que a história dos dois se cruze de algum modo em algum momento.

    O conto me lembrou um antigo texto de teatro “Los de la mesa 10”, acho que é de Osvaldo Dragún. Nele, um garçon observa o casal na mesa 10, todos os dias. Ensaiei este espetáculo há muitas décadas, mas não chegou a estrear. Belas memórias afetivas as que seu “Café” me despertaram… Aliás, um dom, como um bom café, no qual o aroma desperta os sentidos.

    Parabéns mais uma vez.

    Beijos
    Paula Giannini

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  6. Eu gostei muito, querida Evelyn.
    É um belo conto sobre um possível amor, um possível relacionamento… ou, quiçá, apenas sobre um amor platônico entre uma garçonete e alguém que nem a nota de verdade.
    É um conto gostoso, que traz esperança para os que estão simplesmente a fim de alguém.

    Beijos

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  7. Olá, Evelyn!
    O que admiro na sua escrita é essa facilidade de transformar fatos corriqueiros em um clímax emocional que enreda o leitor de tal forma que dele não há como fugir. E a gente se vê envolvido, sentindo com o personagem as agruras do dia-adia. Tudo pode acontecer, pois há um leque de possibilidades. E o desejo, e a esperança, e o amor, e o desamor. pode-se esperar de tudo. Muito bom. Estilo delicioso e escrita envolvente. Parabéns!

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  8. Muito bom teu conto,prende,leva a minha imaginação a torcer para um desfecho feliz,não acontece no momento mas conduz a ideia de um resultado esperado,muito bom também é o tema,pode ser muito explorado,parabéns Evelyn,mais um a estória envolvente,que venham muitos mais,sucesso!

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    1. Obrigada Marilene pela leitura e comentário! Fico muito feliz que a ideia leve o leitor a esse desfecho positivo, que é a intenção primeira desse texto. Obrigada! Um grande e carinhoso abraço!

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  9. Hum, bateu uma vontade de um café agora! Café é bom em qualquer hora e lugar. Achei esse personagem bem devagar, ou ele não curtiu muito a moça, não é possível que não percebeu o charminho dela para ele hehehe. Por outro lado, por que ela não toma a iniciativa? Ficar deixando a sorte passar por causa do que os outros vão pensar??? Faz isso não, moça! Texto gostoso de ler. Abs ❤

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  10. Menina, por favor, transforme isso em um livro, um romance inteirinho, uma novela que seja, mas continue essa história, por favor… Ah, estou lendo isso hoje, no dia em que resolvi parar de tomar café por um bom, bom tempo… Será que consigo? =)

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  11. Oi Evelyn, cheguei! Antes tarde do que nunca. Sou rata de cafeteria, uma vez até fiz um projeto com uma amiga pra colocar um Café, não rolou, ela ficou com medo de que eu tomasse todo o estoque. Adorei o seu conto, levinho, cheiroso como grãos de café torrado e moído. Torci para o papai noel atrasado aparecer e dar um empurrão no romance, quem sabe uma continuação, do tipo “cappuccino” ou um “dolce gusto”, hein?

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  12. Evelyn. Adorei este conto leve e despretensioso que agarra e envolve e nos faz sentir e torcer pelo romance da mocinha que se nos dirige com autenticidade, como se fosse ela mesma a falar. Não li ainda muitos contos seus, e provavelmente terá muitos de que gosta mais, mas arrisco dizer que, dos que li, foi o que mais gostei. Leve, gostoso e saudável,como um copo de água fresca no verão. Vi tudo a suceder. E agora vou beber um café – sou fã incondicional. Beijos.

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