O clarão da lua cheia revelou a face amarronzada da criatura, os caninos afiados, a pelagem farta. O eco do uivo nervoso viajou apressado, da calçada de concreto até o quarto verde-oliva.
Ela arregalou os olhos encardidos de sono − o som familiar retumbou na cabeça de porongo. Num rompante, o lobo deu um salto de duplo twist carpado, invadiu o pátio da casa, bateu o lombo na parede de tábuas, atravessou a janela, a cortina de bambu e se estatelou em frente à escrivaninha abarrotada de CD’s, livros, porta-retratos e da última edição americana da Revista Caras, no quarto de Bella Swan.
A transformação foi imediata: a pele de lobo cedeu lugar à exuberante figura humana − músculos salientes, o peito robusto de Chester, a barriga chapada feito gomos de bergamota.
Ela sentou na cama, meio zonza, o edredom resvalou para o chão, deixando à mostra o corpo magro e a calça de moletom puída; retorceu a boca se perguntando que diacho estava acontecendo.
− Jacob, que susto! Por que não entrou pela porta feito gente?
− Desculpe, não queria te assustar.
− Tá de brincadeira, néh? O que houve?
− Bella, você não pode se casar com Edward – suplicou de voz rouca.
− E por que não?
− Ele é um vampiro!
− E você é um cachorrão!
− E você é uma vadia!
Ela balançou a cabeça, mordeu o lábio e franziu o cenho; levantou-se, tropeçou no All Star, pegou o frasco de Prozac, enfiou vários comprimidos goela abaixo.
− Desculpe, não quis te ofender. – Arqueou as sobrancelhas peludas, os fios pretos da cabeleira caíram sensualmente sobre a testa.
− Eu também não – sussurrou Bella.
Ele segurou as suas mãos geladas e abraçou-a. O ar ficou rarefeito. Ela ardeu por dentro da proximidade do corpo quente fedendo a cachorro molhado.
− Bella, não se case – murmurou Jacob.
− Agora é tarde, os Volturi já mandaram a geladeira de presente de casamento. – Empurrou-o, com os seus dedos de graveto, a uma distância respirável.
− Se quer ser igual a ele, pra que geladeira? Vampiros não comem.
− Eu sei, mas precisamos parecer uma família normal.
− Ninguém é normal nesta história.
− Meu pai é.
− Fala sério, normal com aquele bigodinho de Fred Mercury?
Bella desvencilhou-se dele, espremeu os lábios e franziu o cenho. As bolitas de jabuticaba acompanharam os transtornos faciais dela.
− Vamos pro Rio depois do casamento, Jacob. – Mordeu a boca antevendo o desastre.
− Desejo tudo de bom pra você, mas tomara que Edward derreta no sol do Rio.– Fechou os punhos de maxilar atarraxado, a voz saiu esganiçada entre os dentes alvos.
− Isso não vai acontecer, Edward usa protetor solar contra raios UVA e UVB, fator 70.
− Então… é hora de dizer adeus.
− Aonde vai? − Sentou aos pés da cama sem sentir os pés no chão.
Jacob agachou-se à sua frente; Bella embriagou-se com o hálito de Halls Mentho- Lyptus, fixou o olhar nas polpudas batatas da perna, emolduradas pelo bermudão de sarja preto.
− Vou embora pro Brasil – disse Jacob afundando os olhos no piso.
Duas listras horizontais brotaram na testa dela; suspirou profundamente, fechou os olhos castanhos chocolate ao leite de um jeito tão lesmento, que dava tempo para cozinhar um miojo.
− Não se preocupe, não irei atrás de vocês, vou trabalhar na continuação do filme “Sobre meninos e lobos” – murmurou Jacob.
− Nossa, que fantástico.
Isabella Swan bem que tentou, do fundo da sua alma, expressar alegria, mas a partida do amigo e a interpretação contida permitiu apenas um sorriso lacônico.
− É com o Sean Penn?
− Não, é com um tal de Tony Ramos, ele vai ser o lobo.
− Jacob, não vá.
− Como assim? O que quer de mim? Insinua-se toda, me usa de aquecedor no inverno, e depois me esnoba pra casar com um Drácula comedor de brócolis – disse encharcado de testosterona e de brabeza.
Ela balançou a cabeça, para a direita, esquerda, direita, esquerda.
− A gente podia abrir um Pet Shop juntos.
− Tarde demais, Bella.
− Aonde vai ficar no Brasil?
− Ainda não sei, acho que em Buenos Aires.
Jacob deu passos desolados até a janela, mãos na cintura feito uma xícara sem pires; olhou pela última vez para o espelho vintage branco − inflou o peito, ajeitou o cabelo preto-escorrido e esticou o beicinho −, subiu no parapeito da janela, enroscou-se na cortina de bambu, repetiu a pirueta e avançou sobre o gramado da casa de Charlie, já travestido de lobisomem.
− Jacob, espere….− O grito da beldade se esfarelou na madrugada, tal qual a falta de intensidade do seu protagonismo.
Ele soltou um uivo, em lento desespero, antes de desaparecer no Crepúsculo bucólico que anunciava o Amanhecer em Forks. No quarto de Bella, o lamento do lobo misturou-se ao dela, que tentou chorar num esforço mirrado, mas ao menos conseguiu morder o lábio, franzir o cenho e piscar os olhos, angustiada.
Muito divertido o seu conto, Rose. Não curto muito a saga do Crespúsculo, mas a paródia ficou sensacional. Cada referência ganhando uma nova abordagem debochada, desnudando o estrelismo da protagonista. O menino lobo indo ao Rio para filmar com Tony Ramos…kkk. Narrativa ágil, mais ligeira ainda por causa do diálogo entre os personagens. Adorei!
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Genial, Rose!! Rachei de rir!! Tá muito gostoso de ler o seu conto! Muito divertido e realista. Amei! Você sempre trazendo narrativas diferentes do habitual, muito bom! Um sopro de novidade! Parabéns!
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Texto brincalhão e pitoresco esse intertexto com a saga Crepúsculo – leve, irônico. Amei. Leitura ágil, fluente e prazerosa. Diálogos críveis e situações verossímeis. Parabéns pela ideia e execução. A referência ao Rio e Tony Ramos foi o clímax da diversão. Beijos.
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Eu ri, porque imaginei Bella com expressões faciais. E ri, muito porque a cena passou todinha na minha frente. Eu imaginei também tudo sendo extrapolado, como um grande pastelão. Parabéns! Um grande e carinhoso abraço!
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Olá, Rose!
Um texto muito gostoso de ler, uma paródia de Crepúsculo com diálogos interessantes, críveis e com um humor que nos alegra a leitura. Muito bom!
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Rindo aqui, Rose. Especialmente com essa sua Bella inexpressiva e careteira. A própria Kristen Stewart. Adorei a paródia. Quero mais… Beijos
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Hehehe
O bom-humor da Rose!
Uma boa sátira com todo o julgamento sobre a má atuação dos jovens atores e da superbadalada produção vampiresca…
Show!
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Uma fanfic 😊
Gosto desse filme (o do Sean Penn). Achei divertido o dialogo, mas não tem muito o que dizer, exceto que você conseguiu emular bem o clima Crepúsculo.
Leitura sem entraves. Parabéns!
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Não curto fanfics, tampouco Crepúsculo. Mas o conto ficou muito bom, bem divertido! Agora sim, algo desses personagens que ficou bem feito.
“tal qual a falta de intensidade do seu protagonismo” rsrsrs, melhor frase.
Abs ❤
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Olá, Rose!
Sempre trazendo um humor irreverente, adorei a Fanfic!!
As expressões faciais da Bella ficaram iguaizinhas a do livro e da sonsa da Kristem ri bastante dessas cenas, aliás você pegou vários elementos que de fato soam muito ridículos do livro e deu a eles o tom cômico que mereciam. Fiquei com vontade de ver como seria o seu Edward, ficaria mais hilário ainda.
ótimo texto!
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Hahaha, adorei! Que texto leve, divertido, gostoso de ler! Amei a banalização dos problemas, a proposta do pet shop, as ofensas trocadas, o peludo Tony Ramos fazendo o lobo, kkk. Seu conto trouxe um frescor para as leituras deste blogo! Faça mais, queremos ler!
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Voltei uns dez anos aqui, Crepúsculo revisitado (bem melhor), divertido, piadas espertas “para bom entendedor”. Achei que fosse uma fanfic, mas ficou muito engraçado, melhores diálogos, parabéns pela criatividade!
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Oi, Rose,
Então você veio de metalinguagem. Crepúsculo (que adoro), filmado? Os atores? Os personagens? Vida “real”? Muito interessante essa mescla.
Quanto à trama, mesmo quem não conhece a saga, certamente irá gostar desse conto que mescla fantasia e bastidores. Aqui temos uma autêntica e muito bem explorada edição de fã. Nos Estados Unidos, muitas produtoras solicitam esse tipo de texto, como teste de talento para contratação. Você tem futuro (rsrsrs).
Gostei muito.
Parabéns.
Beijos
Paula Giannini
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Absolutamente sensacional, Rose! Não consigo achar uma crítica sequer, só admiração pela qualidade da sua literatura. Muito divertido, um humor inteligente, sarcástico, do jeito q eu gosto. A construção dos personagens e do ambiente é excelente, detalhes que não estão jogados ali por acaso, contribuem de todas as formas para a ambientação que vc quis dar à história. As “interpretações ” filme B, as analogias inusitadas que você usa para fabricar as imagens na mente do leitor são muito boas! Só tenho a dizer parabéns, parabéns, parabéns!
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Rose, confesso que fiquei a uma distância imensurável. Nunca vi Crepúsculo, nem ao menos apresentação, nem algumas das suas sequelas, nem qualquer filme dentro desse género. Além do diálogo que, descontextualizado, fica um pouco non sense, só percebi a parte do Tony Ramos, por ser tão peludo. A história é divertida, mas para quem nem sonha do que se está a falar fica sem possibilidade de comentar de forma útil, ou inútil. Depois de ler os comentários das colegas, percebi o porquê do meu desentendimento. Um abraço e desculpe. Beijos.
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