Esporro – Catarina Cunha

 

— Não faça ouvido moco, moleque, com esse buraco da maldade. Não te criei ouvindo canário para vomitar urubu depois de tirar os cueiros. Vou cuspir no chão e, antes de secar, quero tua cara de cagão aqui. Não adianta dar chilique nem botar tromba que eu não tenho medo de murrinha. Se apanhar na rua de novo dos maloqueiros carunchos e borrar o pino da caçoleta saiba que o cinto vai cantar na carcunda até fazer caminho de lacraia. O quê? Fala direito estrupício! Come como são e fala como doente. Parece que tem miolo mole. Como é que é? Vai retrucar empinando as ventas? Tua mãe não te deu educação? Tinhoso como o cunhado e enxerido como a sogra. Em vez de tratar a roça pra empedrar os braços fica aí de flozô com os livros até o cu da noite gastando candeeiro. Fica assim, xôxo, com vudum de preguiça. Depois me vem com renda de trancoso e não quer levar esporro. Nada de fliquiti e toma temência. Tenho dito. Pede a bença e xispa!

— A bênção, meu pai.

— Deus te abençoe, meu filho. Passo de jumento e olho de carcará na estrada, um pé lá e outro cá, viu?

11 comentários em “Esporro – Catarina Cunha

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  1. Olá, Cat! Reconheci grande parte das expressões que vc utilizou no discurso paterno. Minha mãe, às vezes, faz milhões de recomendações para mim: eu, com quarenta e nove anos na cara, mas ainda a filhinha dela. Acho que isso nunca acaba, né? Ainda mais quando se tratam de pais nordestinos.

    Meu filho acabou de sair para uma reunião do partido dele, e eu o abençoei umas três vezes, fora os conselhos de praxe. Ele tem dezoito anos e já está ensaiando a independência futura. Não tenciono impedir, mas gostaria de fazer muito mais dengo nele.

    Seu conto falou muito sobre o jeito nordestino de criar os filhos, especialmente nos tempos em que havia menos tvs e mais roças, mas, independente de origens, acho que todos que lerem este conto sentirão alguma identificação com o comportamento deste pai. Achei engraçado ele fazer as ameaças de pêia, e depois abençoar o menino. É isso, abraços, mulher!

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  2. Oi Catarina, boiei na maior parte das expressões… Kkk aqui em Minas os esporros são outros, mas consegui entender no modo geral. Porque independente da região os pais são sempre iguais!
    Um abraço!!

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  3. Que divertido esse esporro, com linguajar peculiar e mensagem curta e certeira. O mais legal foi perceber o quanto o seu texto segue natural sem ficar engessado. O tamanho do conto também funcionou bem, pois foi o suficiente para o “esporro” surtir efeito. Muito bom!

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  4. Oi, Catarina,

    Tudo bem?

    A bronca dada apenas com expressões brasileiras ficou bem interessante.

    Uma homenagem ao nosso modo de fala (em especial a do nordeste), tão peculiarmente rica.
    Interessante notar que, ainda que cheia de “briga”, a fala do pai é recheada de amor. Ele passa o sermão, na mais pura intenção de educar seu filho para o mundo do modo como acredita. Depois, ele o abençoa. E o menino pede a benção, cabeça baixa, respeito àquele a quem deve. Outra referência bem brasileira.

    Andei pesquisando maneirismos brasileiros para um texto de dramaturgia que estava construindo por aqui. Cada região de nosso país tem seu modo de fala, alguns beiram o dialeto, outros ainda, serão estranhos para quem nunca travou contato com certas regiões. Dentro de cada região, inclusive, há uma variação gritante. O Rio Grande do Sul, por exemplo, tem um modo de fala totalmente diverso ao de Santa Catarina e este, por sua vez, difere do Paraná. Somos ricos. Resta saber o que nossa contista portuguesa dirá. Muito do que falamos originou-se por lá, as Terras de além Mar.

    Parabéns.

    Beijo
    Paula Giannini

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  5. Oi, Cat!
    Reconheci que o conto era seu assim que comecei a ler – adoro esse estilo direto e fluido com as palavras, a questão do esporro, a pessoa do pai nordestino, o jeito de quem sabe que “mar calmo não faz bom marinheiro’, tão comum aos que precisam educar pessoas para serem fortes, então, lá vem a sequência de broncas e advertências com doses de carinho e preocupação, achei brilhante. Curto, forte, dando muito bem o recado.
    Bjokas!

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  6. Com certeza um linguajar bastante comum nos pais mais antigos. Não sou a favor deste tipo de linguagem, não sobre o regionalismo, mas a maneira áspera de conversar com os filhos. Dizem que estamos na geração mimimi, eu faço parte dela. Apesar de trazer vários “palavrões” de criação (os quais só os pais podem usar), venho me policiando para conversar de forma controlada e educada com meus filhos.
    Um conto bem curto e que mostra a realidade da criação brasileira.
    Abs ❤

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  7. Seu estilo, Catarina, é inconfundível. Amei o texto, o esporro e a humildade do filho. Sou mineira, mas não tive problemas com as expressões regionalistas, já conhecia. Um texto curto, porém disse tudo e trouxe até uma resposta. Ficou divertido. Parabéns pela excelente ideia e interessante execução. Beijos.

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  8. Caraio, entendi patavinas, bulhufas, coisa ninguna, etc. Esse moleque vai precisar de mt terapia pra tirar tanta crença limitante dos cornos. Segue aqui o meu cartão….bjs.

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  9. Ei Cat! Muito bom esse esporro! Não sou assim tão familiarizada com as expressões mas deu para entender tudo. Gostei especialmente do ritmo. Li duas vezes em voz alta… Parabéns, garota! Gostei

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  10. Hahahaha! Catarina, vc tem um talento pra captar as peculiaridades culturais do brasileiro! Eu vi a cena toda e parecia q estava ouvindo meu avô, macho, nordestino, criado no fio da peixeira, rédea curta com as filhas e o cabrito criado solto. Muito bom, como sempre, minha amiga. Quando eu crescer, quero escrever como você! Beijos!!!

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