Uma história apenas começando…
Brilhou em sua completude o pentáculo pendurado no interior daquela aconchegante caverna. Era hora. Era noite. Pletskin preencheu seu embornal para a pequena viagem e colocou-se a caminho.
O encantamento estava ativo, até os gravetos do chão estalavam com alegria a sua passagem. Era noite de inverno. Era hora certa. No local sagrado, em terceira dimensão, ela estava invocando a magia. Na direção norte, a vasilha com sal marinho, e Pletskin sempre fora o encarregado desta bênção. Ele mesmo não sabe desde quando… Desde sempre, ele achava, nas poucas vezes que se punha a pensar nisso.
“Bons gênios do Invisível, Deuses da Terra: com este ritual dirijo-me a vós para obter aquilo que me é justo de direito! Eu posso! Eu quero! Eu ordeno! Ajudai-me a realizar um lícito desejo!”
Ao perceber a moça de olhos fechados, completamente compenetrada, Pletskin escalou alguns pedregulhos e pulou para dentro da vasilha contendo os sais em matéria bruta. O ar frio da madrugada favorecia o trabalho. Com seus hábeis instrumentos, o pequeno transmutava cada partícula do cristal e elas brilhavam intensamente em dueto de luzes com as estrelas no firmamento.
Ele via outros colegas seus envolvidos em suas funções nas outras extremidades do pentagrama, mas não podia dar-lhes maior atenção. Seu trabalho exigia cuidado, Pletskin era minucioso, nenhuma impureza permanecia intacta, eram todas transformadas em luz e energia. Era justo. Era necessário.
Terminada a tarefa, ele deslocou-se ao ponto extremo norte do pentáculo, acima da vasilha com sal marinho, e da mesma forma os demais elementais, cada um em seu ponto. Enquanto Diana terminava de recitar o mantra sagrado. Em agradecimento, ela espargiu um pó mágico que findava a conexão.
Pletskin desconhecia a intenção dos encantamentos que Diana fazia com regularidade e não se interessava, ele gostava desta sua peculiaridade: não pensar muito. A vida era como era e era certa. Era boa. Mas, nessa noite, uma curiosidade inédita lhe possuiu quando Pletskin percebeu que Diana não estava sozinha.
Após todos os colegas se afastarem e também ele, já andava em direção a sua trilha, ouviram-se passos cuidadosos, mas, que bem foram denunciados pelos gravetos caídos ao chão. O pequeno virou-se, de súbito, e viu um homem. Era sorridente. Era familiar… O desconhecido acercou-se de Diana e a abraçou, suas mãos percorriam seu corpo e as mãos delas também começaram a acariciá-lo.
Pletskin achou que deveria ir embora, porém seus pés não se moveram, ele desconfiou que não dera realmente ordem para que eles se movessem. O casal se beijava com pressa e as mãos ligeiras logo tiraram suas roupas e os dois deitaram-se no solo úmido e revigorante daquele bosque.
A sílfide que percebeu Pletskin parado ali, atônito para todo aquele movimento de corpos, sussurrou ao seu ouvido:
– Ela realizou o ritual da reprodução hoje, Pletskin.
O pequeno, sem tirar os olhos do casal, perguntou:
– Como você sabe?
– Basta ver o que eles estão fazendo!
– Quem é aquele homem, Véridis?
– É um velho conhecido seu!
A pequena sílfide disse isto e voou embora, fazendo sinais para que Pletskin fosse para casa. Mas ele não foi. Estava curioso demais e ele tentava pensar, mas era tão difícil. Era estranho. O homem não era estranho. Era familiar…
Então, ele ouviu sussurros. O casal estava conversando, ele queria ouvir! Escalou os troncos finos de uma árvore bem nova e ficou ali por um longo tempo, escutando sobre amor, magia e muitas coisas humanas que ele não entendia. Num momento, Pletskin desequilibrou e quase caiu, foi quando o homem olhou bem para onde o pequeno estava, mas não o viu, não podia…
Porém, Pletskin pôde ver-lhe a cor dos olhos. Era verde. E também era marrom. Ele ficou na dúvida. Mas eram… verdes e marrons, ao mesmo tempo.
De repente, um forte cheiro de benjoim invadiu os sentidos do gnomo e ele lembrou. De um tempo que não era, que nunca foi porque foi esquecido. O tempo anterior aos trabalhos na forja, o tempo nos trabalhos na magia de nós. Onde Eric, o humano sorridente invocava Pletskin nos rituais de prosperidade.
O pequeno ficou muito confuso, desceu da árvore e desejou ser visto por aquele casal tão feliz. Por que Eric estava diferente, embora seus olhos e seu cheiro fossem os mesmos? Por que Pletskin o esquecera se eram tão amigos? E por que Eric não o via agora? Sentiu vontade de gritar para ser ouvido. Sentiu vontade de chorar.
O casal levantou-se e começou a recolher os materiais utilizados no ritual, quando Diana chamou pelo companheiro para que lhe alcançasse a mochila:
– Cilon, querido…
“Como? Como ela chamou Eric? Por outro nome?” Agora sim, Pletskin ficou tonto de verdade, sua mente não podia mais processar tanta informação. E ele desmaiou.
Acordou em sua casa com o ancião da floresta sentado a seu lado, pronto para esclarecer alguns fatos.
– O que aconteceu, venerável?
– O que já esperávamos.
– Eu não esperava nada!
– Sim, esperava, apenas não lembra.
– Aquele homem sorridente era o Eric? Mas não era o Eric!
– Sim, é o seu amigo. Ele renasceu.
Pletskin queria desmaiar de novo, sua cabeça parecia que inchava a cada nova informação. Mas o ancião explicou tudo o que precisava. E mais um pouco. Depois fez com que o pequeno tomasse um chá para recuperar-se do abalo. E pediu que ele dormisse. Dali pra frente muita coisa nova estaria para acontecer.
– Eu nunca vivi tanta novidade assim, estou com medo!
– Viveu sim, apenas não lembra.
– Quando eu deixei de trabalhar nos nós?
– Isso mesmo.
– E agora, eu vou deixar de trabalhar na forja?
– Sim, deixará.
– O que vou fazer?
– Você vai saber, apenas deixe fluir.
Pletskin adormeceu fitando o pentáculo na entrada de sua caverna. Será que ele brilharia novamente? O pequeno sonhou que era hora. Sonhou o que era agora.
Uma história apenas começando! Isso mesmo. Porque as histórias preenchem nossa vida, uma atrás da outra e as vamos vivendo. E Pletskin não é diferente. O bonito desse conto é como as imagens vão preenchendo a leitura e nos fazendo ver o personagem e imaginar os rituais e, como o personagem trabalha essa relação. Pletskin é um personagem que tem consistência. Ele a ganha desde o começo nas palavras hábeis da contista.
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Que conto gostoso de ler, bonito e sem confusão. Eu li sem ter que ficar voltando pra entender.
ADOREI.
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Um conto elaborado com base nos elementais da terra – gnomos. Pletskin é um protagonista muito cativante que nos leva a percorrer toda a narrativa como se fosse um passeio. Há um toque de singeleza, de delicadeza, na relação do personagem com os rituais e com a natureza. Apenas deixe fluir = melhor conselho dado. Parabéns!
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Será que Pletskin renascerá como filho de Eric / Cilon? Uma narrativa atraente, fluída, instigante. Muito simpático o Pletskin. ABS ❤ ❤
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Olá!
Um conto singelo. O título é a explicação de todo ele. Achei cativante o personagem, que vive a vida de rotina e dedicação e de repente se vê preso em questionamentos.
Acredito que ele renascerá como o filho do casal. Não ficou muito claro, ou não entendi essa parte, a relação dele com Eric. Mas deixou grandes portas abertas a possibilidades. A ambientação é bem bonita. Uma bela escrita.
Parabéns.
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Querida Contista,
Tudo bem?
Estou mega ultra pan feliz por compartilhar com vocês, escritoras que tanto admiro, mais este exercício-desafio.
Vamos ao conto.
Os elementais com os quais estou simpatizando muito, são os Gnomos que estão aparecendo por aqui. Talvez isso se deva a meu signo de terra, Touro, não sei. Fato é que seu protagonista é muito carismático, e, construir um personagem assim é um dom.
Você também escreve para crianças? Se não, deveria. Não que este conto esteja infantil, não é isso. Mas é que a pegada é ótima para textos do gênero. Ao menos é o que acho.
Sobre a história, gostei demais da ideia de ciclo. A premissa da vida surgindo e ressurgindo, a partir desses seres fantásticos é muito boa. É agradável pensar que se possa ter surgido de algo bom, algo do bem. 😉
Parabéns, Contista.
Espero que este seja apenas mais um de muitos e muitos textos trocados entre nós, que virão.
Beijos
PAula Giannini
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Olá, Contista! Seu conto é um alivio para todo esse fogo! rsrsrsr Esse gnomo ficou muito fofo, com seus questionamentos e esquecimentos, vagas lembranças de tarefas passadas. O ponto alto desse conto é a descrição. Parecia que eu estava assistindo um filme. Muito bom! É curtinho, gostoso de ler, fácil de entender. Direto ao ponto! Parabéns!
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Senti mais que um toque de espiritualidade neste conto, ainda mais com o título que traz. A troca de funções do gnomo-protagonista pareceu-me o processo de reencarnação, que tem como objetivo auxiliar a evolução, em um exercício do livre-arbítrio.
O trecho final indica claramente como o gnomo tem a possibilidade de construir o presente e o futuro, enfrentando contradições, dificuldades, obstáculos, facilidades, administrando encontros e desencontros: “Pletskin adormeceu fitando o pentáculo na entrada de sua caverna. Será que ele brilharia novamente? O pequeno sonhou que era hora. Sonhou o que era agora”.
Parabéns pela ideia, fluidez, sutileza ao criar um mundo de encantamento e magia, coerente e que traz explicações críveis para a vida do homem na Terra.
Beijos. 🌺🌺
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Que graça de conto! Não consigo imaginar qual seria a Contista por trás desse Pletskin tão cativante e simpático. Lindamente ingênuo, ele é a própria terra. Seu conto inteiro, desde o título, remete à ideia dos ciclos, das coisas infinitamente recomeçadas. Delícia de leitura! Beijos.
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Um conto muito bem escrito com o elemental da terra, gnomos que representam o ciclo da vida. Como a colega disse anteriormente, há algo que remete à reencarnação/espiritualismo, mas é assim mesmo o ciclo dos seres, nascem pó e ao pó retornam, nascem célula e à célula retornam, retomando o ciclo ao infinito. O ponto alto da autora é sua maestria em transformar palavras em imagens belas e cativantes, além da abertura de possibilidades. Onde acaba é onde (re)começa, muito boa sacada. Parabéns!
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Muito belo conto!
A curiosidade e espanto de Pletskin ao reencontrar um amigo de tempos ritualisticos sob outra forma e seu choque, que o leva a um novo patamar de conhecimento, é fantástico.
Meus parabéns pela sutileza e beleza de sua construção.
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Claro que é uma história apenas começando, Pletskin é um pré-feto, gnomo é a sua ocupação entre vidas.
A história começará quando a gravidez terminar, mas para já Diana está grávida de Cilon, que já foi Eric, que já foi outra pessoa qualquer.
E que nome tem Eric entre vidas? e o que faz?
Este conto sustenta a possibilidade de o mundo dos mortos ser mágico e existir como sustentáculo e garantia de continuidade do mundo dos vivos. Bem, pessoalmente não acredito, mas, fantasticamente, poderia muito bem ser assim.
Parabéns, contista.
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Querida Contista!
Obrigada por me propiciar mais uma leitura de um conto teu!
Esse desafio foi ótimo, né!? Adentramos em um mundo verdadeiramente fantástico!
Sobre o teu conto, ele é fantástico, sem dúvidas, todo ele. Parece um passeio no bosque com suas criaturas maravilhosas.
Pletskin é um gnominho muito simpático e curioso! Achei interessante que a questão dos elementos mágicos perdurarem no tempo – durante vidas e mais vidas dos humanos – não é encarada de forma natural pelo gnomo. Ele chega a desmaiar quando vê o humano em uma outra vida (reencarnação). É como se ele fosse humanizado, e isso traz os sentimentos dos seres fantásticos mais próximos dos nossos.
Parabéns!
Grande beijo,
Sabrina
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Ahh que delícia..
Adoro estes serezinhos!
Obrigada, Contista por nos trazer a conhecer Pletskin e seus dramas internos hehe
Que coisa fofa!
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Mais um gnominho fofo! Curiosidade foi que deixei para o final um conto de título “Uma História Apenas Começando”, não foi intencional, mas pra mim foi mágico. E posso estar vendo coisas, mas de alguma forma meu conto e o seu, Dalva, tem algo em comum… Eu adorei o enredo, e adoraria ser um elemental depois de partir dessa vida e antes de chegar a próxima! ^^ Tudo a ver com o dizer “do pó ao pó”, assim como a tradição dos que enterram seus entes, por exemplo. E se é uma história apenas começando, por favor, que venha o restante! ^^ Parabéns! ❤
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Pelo que entendi, o pequeno Gnomo seria, no futuro, o filho do casal que estava namorando na floresta. O conto ficou fofo e o título bastante apropriado, já que ali seria o ponto de partida para a vida humana dele. Acertei? Parabéns, Kinda. Um desafio sobre desafio deve ser moleza para vc,né? Já li alguns textos seus neste gênero. Acho que as meninas já falaram tudo, e eu ratifico as impressões delas. Grande abraço.
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