Rosto nu na luz directa.
Rosto suspenso, despido e permeável,
Osmose lenta.
Boca entreaberta como se bebesse,
Cabeça atenta.
Rosto desfeito,
Rosto sem recusa onde nada se defende,
Rosto que se dá na angústia do pedido,
Rosto que as vozes atravessam.
Rosto derivando lentamente,
Pressentimento que os laranjais segredam,
Rosto abandonado e transparente
Que as negras noites de amor em si recebem.
Longos raios de frio correm sobre o mar
Em silêncio ergueram-se as paisagens
E eu toco a solidão como uma pedra.
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Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) foi uma das mais importantes poetisas portuguesas contemporâneas. Foi a primeira mulher a receber o Prêmio Camões, o maior prêmio literário da língua portuguesa.
Poesia para mim é descanso. Tanto da escrita quanto da leitura. Não sei quantas de vocês tem o hábito da poesia, mas quis compartilhar o meu. A Sophia de Mello Breyner é uma das poetas a quem recorro quando preciso de repouso. Escolhi esse poema porque ele me soou forte e me tocou. Espero que gostem.
Sempre acho muito difícil comentar uma poesia, Elisa, pois as poesias podem ter as mais diversas interpretações, ainda que, para o autor, tenha uma única. Pescando aqui e ali algumas palavras, entendi que se tratava de um rosto de mulher antes do amor. Antes de amar. À espera de se entregar, de ser colhida. Mas essa foi apenas a minha interpretação. Lindo texto. Obrigada.
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Nada mais inspirador que Sofia de Mello Breyner. Sofia foi uma mulher única e extraordinária. Conheço bem a sua obra, sobretudo os livros infantis que foram os que usei para introduzir a minha filha ao maravilhoso mundo de ouvir histórias lidas. Talvez não tenha sido a melhor escolha pois ela ficou apaixonada e até hoje gosta mais de ouvir ler do que de ser ela a ler. Até há bem pouco tempo, ainda tínhamos esse hábito, já não na hora de ir para a cama, mas no final do jantar. Ela pedia e eu ia buscar um livro à estante e lia o início, ou um conto ou poesia. Alguns livros foram lidos assim, por inteiro, ao longo de duas ou três semanas. Todos gostávamos daquilo, mas acabou quando começaram os namoros e as saídas à noite. Sofia esteve sempre muito presente na nossa vida e na minha ainda mais, por partilharmos muitas referências pessoais: os mesmos sítios, as mesmas praias, muitas pessoas e uma imensa paixão pelos quatro elementos. Excelente escolha. Obrigada.
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Querida Elisa,
Ótima escolha, a poesia, realmente um bálsamo de descanso no meio de nossas verborragia contista. Poesia mexe com outra área do nosso cérebro, não é?
Concordo com a Iolanda quando diz que há diferentes interpretações para uma mesma obra poética, e, como diz nossa querida Sabrina Dalbelo “Se a poesia não faz sentido, cabe ao leitor dar sentido a ela”, isso é perfeito.
Também vi nas entrelinhas uma mulher antes, durante depois do “terror” do amor. O amor é mistério, é belo e terrível, e, após as negras noites de amor, o silêncio e a solidão. Como dizia “Reich” “O orgasmo é a morte do amor”. rsrsrsrs Já estou Sabrinesca aqui.
Beijos e obrigada pela escolha.
Paula Giannini
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Sophia de Mello Breyner Andresen tem uma forma de escrever bastante particular, devido ao apreço pela palavra justa, certeira, cortante, sem espaço para sobra, pelo emprego da adjetivação, pela beleza das metáforas e personificações. As repetições da palavra-chave, no poema além de marcar o ritmo, mostram a rotina, o cotidiano da personagem.O ambiente retratado é o da existência concentrada, onde o drama humano se desenrola, ganhando conotações simbólicas, pelo alumbramento de um olhar atento às minúcias da realidade.
É uma poesia que tem uma aura solene, misteriosa, enigmática, mas uma direção muito clara e objetiva. Uma escrita feita para ser compreendida por todos, simples e pura.
Parabéns, Eliza, pela opção da poesia e de autora tão especial. Obrigada pela leitura. Beijos.
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A poesia é para poucos. Eu a considero uma forma elevada de linguagem. Faltam-me elementos para poder analisa-la com o devido saber, tal qual fez a Fátima. Ou com tal sensibilidade como as demais colegas contistas. Limito-me ao meu entendimento restrito, acreditando, como a Iolandinha disse, que poesia pode variar de interpretação. O amor mal cumprido deixando o eu lírico em abandono, na solidão, tão palpável quanto uma pedra fria. Muito bom e triste!
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