Um presente para reconectar – Anorkinda Neide

Era noite de Natal. Depois de uma modesta e aconchegante ceia com seus pais, Letícia dormia em sua casa, saciada de carinho e bons desejos.

No meio da madrugada a moça acordou com a sensação de ver uma luz piscando. Era verde. Mas ela pensou ter sonhado.

– Não posso ter visto luz alguma se estava com os olhos fechados.

Mas, Letícia abriu os olhos e viu uma luz verde piscando. Não contou quantas vezes ela acendeu e apagou. Foi breve e parou.

– Acho que imaginei. Foi isso.

Ela se levantou e foi ao banheiro. Ao atravessar o corredor, percebeu uma luz verde piscando lá para o lado da cozinha. Preferiu ignorar. Estava com a bexiga apressada.

Ao sair do banheiro, a luz piscou insistentemente desta vez, ao menos assim lhe pareceu.

As luzes estavam apagadas, porém Letícia via claramente sua sala decorada para o Natal, as cortinas abertas permitiam que a luz da rua incidisse uma luminosidade branca e tênue no ambiente. Ela gostava disto, sempre se sentia em paz, uma refrescância lhe cobria a alma.

Por falar em frescor, de repente ela percebeu que o ar estava frio, muito mais frio do que deveria numa noite de verão. E Letícia sentiu um cheiro. Cheiro de mato. E a luz piscou. Então, ela recobrou o foco neste mistério intermitente e avançou em direção à cozinha.

A luz vinha da área de serviço, mais especificamente do quartinho. Por um momento, a moça pensou estar ocorrendo um curto-circuito em algum eletro-doméstico, mas não havia nada conectado à tomada, disto tinha certeza.

Ao acessar o limiar entre a cozinha e sua pequena despensa, ela viu algo absolutamente surreal. Todo o aposento estava tomado por plantas trepadeiras e algumas folhagens grandes e o chão forrado de um gramado selvagem, parecendo mesmo uma mata, só faltavam as árvores. Ao centro, havia uma planta estranha, seu formato lembrava um cogumelo. Ao lado dela, um pequeno ser de roupa verde e capuz pontudo segurava uma lanterna antiga que piscava uma luz verde de quando em quando.

Inacreditável! Ali estava ela acocorada à porta, no quartinho dos fundos do apartamento alugado, recebendo uma comunicação de um duende (sim, porque ele estava falando com ela em sua cabeça!) e Letícia tinha certeza de que não fizera uso de nenhum alucinógeno e de que estava acordada. Não, não era um sonho, definitivamente.

– Saudações, irmãzinha! Eu sou Gwengish. E vim lhe trazer um presente de Natal. Você vai ficar feliz em recebê-lo (!) (?)

A moça não conseguiu definir se a última frase era uma pergunta ou não. De qualquer modo ela não poderia responder, a surpresa costumava arrancar-lhe a fala.

Depois de uma mesura o homenzinho dirigiu-se à parte de trás da folhagem onde ele se apoiava minutos antes e arrastou de lá um pequenino baú.

– Tome, irmãzinha. É seu, você merece.

No instante em que Letícia pegou o bauzinho em suas mãos, o cenário de floresta de folhagens desapareceu e com ele Gwengish e sua lanterna. Ela não conseguia tirar os olhos do bauzinho. Caminhou até a sala escura e não pôde deixar de notar que os enfeites da árvore de natal e também outros pendurados acima da janela brilhavam com uma intensidade bonita, mas totalmente diferente.

A aura era mágica, Letícia sentia. Depositou com cuidado o diminuto presente em cima da mesa e abriu-o. Soltou-se, naquele momento, um brilho, era um pó iluminado. Verde. Leve, quase transparente, sutil e voou direto em direção às narinas da moça. Ela aspirou aquela luminosidade, mesmo sem querer, foi um susto e ao mesmo tempo um êxtase.

Segundos depois, Letícia estava parada na mesma posição em pé em frente à mesa. Olhando fixamente para o baú vazio. Não tentava entender porque estava sem pensamentos. Não assustou-se pois seu peito estava preenchido de luz, literalmente, e sossego. Sentiu novamente o cheiro de mato enquanto se dirigiu de volta a sua cama.

Simplesmente deitou a cabeça em seu macio travesseiro, suspirou e dormiu profundamente.

Acordou quando a manhã já ia alta no céu. Letícia se questionou se havia sonhado com o duende do Natal mas, no fundo , ela sabia ser real. Correu até a sala e viu o bauzinho exatamente onde o havia deixado, aberto e vazio. Sentiu o frescor de mato novamente e olhou para trás, para o corredor de onde tinha vindo. Havia um rastro de brilho verde por onde ela pisara e este formava a imagem de folhas, como as folhagens que havia no quartinho durante a madrugada. Logo se dissipou, mas deixou no rosto da moça um sorriso radiante.

E todos os dias, a partir dali, volta e meia, ela percebia este rastro verde, este cheiro de mato e a sensação de mágica e sossego no peito. Letícia passou a aguardar ansiosamente pelo próximo dia de Natal, quando ela teria muitas perguntas a fazer a Gwengish. Embora, ela sabia, dentro de si, que quando este dia chegasse, ela já teria todas as respostas iluminadas em seu coração.

16 comentários em “Um presente para reconectar – Anorkinda Neide

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  1. Os ajudantes do Papai Noel são basicamente duendes, responsáveis por montar, embrulhar e colocar todos os presentes nos trenós e, ainda, cuidar das renas. São considerados os espíritos da natureza; no conto, um deles veio trazer, pessoalmente, o presente da protagonista, apesar de que costumam se esconder dos adultos. Trouxe-lhe mais cores, luzes e cheiros para ajudá-la a se reconectar com a vida, restaurar a alegria de viver e ter astúcia suficiente para lidar com os percalços. Esta aproximação é favorecida quando o ser humano está mais frágil e sensível. É a magia do Natal. Sua história é uma daquelas que tentam explicar o inexplicável.

    Parabéns pela narrativa intimista,sensível… uma energia boa, de promessas e esperanças. A leitura é simples, fluida, bem equilibrada e com ritmo bem definido. A linguagem está repleta de sinestesias, cenas cativantes e imagens construídas com solidez.

    Feliz Natal para você e sua família, que o duende lhe traga um bauzinho tão ou mais mágico que o do conto; e, que ele, com seus poderes preencha sua vida de coisas boas. Um beijo.

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  2. Letícia, você pode pedir para o Gwengish trazer um bauzinho desses para mim? Já pensou, um pozinho que te deixa sem pensamentos e que ainda não faz mal e te deixa sossegada? Ando precisando hehehe. Gostei de conhecer esse duende simpático e espero que ele passe por aqui ano que vem. Abraços ❤

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  3. Oi, amiga!!
    Que fofurice, que alto astral, um conto repleto de fantasia, esperança, good vibes, mesmo.
    Cheguei a sentir um calor aqui no cardíaco, sério rsss
    O que dizer? Belo, muito belo. O clima do Natal.
    Fantástico e encantador…acho que esse sei certinho que escreveu
    Hihihi
    Bjokas, querida! Feliz Natal e um 2020 com o gnomo do Natal traendo todos os seus presentes!

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  4. Ah, autora! Eu também quero um baú.

    O meu pode ser com cheiro de quindim… hummm. Seu conto é muito agradável. Não há conflito, apenas um encontro gostoso que traz novas e agradáveis sensações. É o tipo do conto que a gente deveria ler sempre depois de um dia estressante. Seu conto tem aquele alívio de acordar cedo e descobrir que e sábado. Não precisa trabalhar.

    Muito refrescante e muito parecido com o lado prazeroso do natal. Beijos e que os presentes sejam sempre assim. Felizes festas para vc.

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  5. Um conto muito sinestésico e carregado de boas energias como as que Gwengish trouxe para essa nossa Letícia. Um presente que você, querida Contista, que suspeito ter parentesco com os duendes, nos deixou aqui no blog. Gostei demais da leitura. Obrigada por participar no nosso desafio. E parabéns por esse conto tão doce e esperançoso. Feliz Natal e um Ano Novo de muita inspiração! Beijo carinhoso.

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  6. Olá, querida amiga Contista!
    Ahhh que fofinho o seu conto! Uma experiência mágica com direito a duende e pozinho mágico e tudo! Muito gostoso o seu conto! Bem visual, quase como assistir um filme, muito bom! Parabéns e boa sorte! Feliz natal!! Bjooo

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  7. Olá querida Contista,

    Tudo bem?

    Enfm um conto de esperança por aqui. Parece todas optamos por falar das dores, das perdas, das saudades.

    Gostei muito do clima criado, do modo como o duende encontra seu modo de presentear a protagonista com a felicidade, com a esperança, que, aliás, é simbolizada pela cor verde. Eu queria encontrar com ele e pedir um pouco desse pirlim-pim-pim neste Natal…

    Obrigada por este sopro de alegria.

    Como estou dizendo a todas, lendo os contos do desafio, percebo que, estranhamente parece que cada um fala de um pedacinho de mim, talvez de todas nós. Isso é lindo, parece que estamos todas sintonizadas.

    Parabéns pelo trabalho tão gostoso de se ler.

    Desejo um Natal de muito amor e um Ano Novo de luz para você e os seus.

    Beijos
    Paula Giannini

    Curtido por 1 pessoa

    1. Interessante, né, Paula. Também senti isso. Talvez esse seja um dos poucos contos leves, mágicos desse desafio.
      Optamos por transgredir, por expressar o “pense nisso”, “talvez não seja tão simples”, “talvez não seja nada tão fácil”.
      Somos complexas e realmente especiais!

      Curtido por 1 pessoa

  8. Hummm.. adoro!!!
    Quero um bauzinho também, direto do Reino Verde ou da fabrica do Papai Noel?!
    Um conto gostoso de ler e a Letícia, hein.. viva a Letícia!! haha
    parabéns, contista!

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  9. Olá, Contista.

    O título é sugestivo, as intenções claras de as pessoas voltarem a sentir a tão falada magia do natal, que convenhamos existe, mesmo que hoje está cada vez mais difícil senti-la. Muita coisa ta se perdendo, seria interessante que a gente recebesse essa visita pra nos lembrar dela.

    Um conto singelo com uma mensagem certeira.

    Parabéns, Feliz natal!

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  10. Um conto que fala da experiência de encontrar com um ser mágico, um duende, um espírito da natureza. Talvez esse duende represente o espírito natalino que se perdeu com o tempo, com o desligar do ser humano das coisas que realmente importam, a sua essência divina. Por isso o reconectar com a natureza, a criança deixada pra trás, o mágico e os sonhos, tem tudo a ver com o Natal.
    A narrativa desenvolve-se de maneira muito delicada e colorida, cheia de cheiros, cores e imagens fofas. Quero também uma caixinha dessas.
    Um conto de Natal cheio de flocos de esperança e alegria. Uma ótima proposta de presente.
    Feliz Natal e um excelente 2020, cheio de surpresas mágicas. Beijos.

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  11. Duendes, lá vêm eles! E não podiam faltar, né, afinal, o que seria do Natal se eles não ajudassem o Papai Noel? Parabéns pelo conto, pela aura de magia e encanto que há nele! E olha, eu queria uma caixinha dessas, como eu queria! Parabéns pelo texto, que seu Natal seja mágico e que 2020 te traga paz, saúde, amor e ainda mais magia! ❤

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  12. Olá, querida contista!

    Que maravilha, o espírito de Natal, suas luzes, duendes, baús mágicos e reenergização de coração. Quem não gosta? Quem não ama?

    Acho que essa nossa Letícia passou por muitas experiências especiais nesse Natal e a que ela viveu no teu conto é permeada de magia e esperança.

    Obrigada pela leveza desse conto.

    Um Natal mágico junto de quem ama e um 2020 maravilhoso, cheio de boas surpresas!

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  13. Boa noite, Contista!

    Então, esse é o segundo texto do desafio que deixa mistérios no ar. Kkkkk. Boa a condução e ritmo. Pensei que se tratava de uma criança, mas acho que era no mínimo adolescente. Queria saber o que era o presente, mas não me foi revelado.
    Bem, parabéns e boa sorte.
    Feliz Natal!

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  14. Olá, Kinda. Um conto de poeta, carregado de poesia – e magia. Vou deixar um recado para Letícia, você transmite? “No próximos natal, quando for visitada por Gwengish, peça a ele que venha a minha casa, pode ser?
    Um conto muito bonito e cheio de coisas boas. Um ano feliz para si. Beijos.

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  15. Ah… Que fofo! Esse conto é para aquecer o coração. É lindo. Carrega a esperança das coisas boas, do frescor da magia. Eu simplesmente amei! Obrigada por compartilhar aqui.
    Beijos e abraços carinhosos.

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