Biscoitos de Natal para o Ano Novo (Bia Machado)

Quando ouviu as batidas na porta, foi difícil levantar da cadeira com aquela artrite toda. Resmungou a cada passo, pois também precisava segurar as barbas longas e brancas, para que não tropeçasse nelas. Claro que já estava preparado para o hóspede que chegaria, sabendo que em poucos dias o hóspede seria ele, e não quem acabava de chegar.

Abriu a porta e uma lufada gelada de vento fez com que fechasse seus olhos por alguns segundos, mas ele mesmo já não enxergaria bem no breu da hora já adiantada. Aos poucos, visualizou a silhueta, que foi se tornando mais nítida a cada instante que passava. Um jovenzinho, de pouco mais de metro e meio, cabelos escuros e sorridente. Não parecia nem sentir o frio daquela noite de Natal. O Ano Novo era um jovenzinho que não tinha chegado aos quinze anos, provavelmente.

– Boa noite, Ano Velho, como vai o senhor? – ao menos o jovem era educado. Mas no geral eles recebiam boa educação. Isso era mais que necessário para acompanhar e tentar compreender tantas coisas que aconteciam dentro de um ano inteirinho.

– Boa noite, Ano Novo, entre, por favor, está frio demais! Meus ossos vão congelar antes do tempo…

O jovem rapaz sentiu o calor da confortável cabana perdida no meio do nada. Então era ali que viveria o resto de sua curta vida? Seria ali que assistiria ao último fôlego do Ano Velho? Ele seria a última pessoa vista pelo simpático velhinho? Por um momento se sentiu triste, apesar de estar ciente do inevitável ciclo da vida. Ambos tinham sido preparados para aquele momento e em um ano, já ele próprio sendo conhecido como Ano Velho, esperava poder preparar tudo para que seu sucessor tivesse a mesma sensação de aconchego que sentia naquele instante.

Disfarçando um pouco as dores reumáticas, Ano Velho mostrou toda a cabana ao jovenzinho. Ainda bem que não havia muito a mostrar, e as coisas que eram suas desapareceriam assim que ele deixasse seu posto. Tudo ficaria vazio, disponível para que o novo Ano fosse guardando seus pertences ao longo dos meses.

– Tenho muitas cartas. Que escrevi a qualquer ser que achei que devia escrever, mas estava ciente de que eu não poderia enviá-las, ah, se eu pudesse… Por isso guardei todas naquele baú ali do canto, está abarrotado delas. Poderá lê-las, mas terá que fazer isso até dia 31, você sabe.

O rapazinho leria todas que pudesse, deveriam ser maravilhosas… Ainda bem que isso era permitido fazer, em meio a tantas proibições. Antes, durante o treinamento, não compreendia porque deveriam passar o penúltimo Natal de sua vida longe dos amigos com quem sempre celebrava. Toda vez que um Ano Novo partia para aquela cabana ficava triste, por mais que eles fossem milhares e milhares, não era possível conhecer a todos, socializar com todos, de alguns até se lembrava, como 1968, 1984 e como não se lembrar de 2000 e 2001? As duas eram suas melhores amigas, jamais as esqueceria. Agora entendia o porquê de partir para a cabana no dia 24 de dezembro e passar alguns dias com o Ano Velho. Era bem melhor ouvir a voz da experiência, conversar com quem sentira tudo na pele.

– O senhor pode responder qual foi sua maior dificuldade?

– Ah, Ano Novo, foram tantas… Passei muita raiva com certos governantes. A imbecilidade humana está subindo a níveis estratosféricos. Mas ainda bem, ainda bem, meu rapaz, que há pessoas maravilhosas que fazem o mundo valer a pena e a gente ter esperança quando se deseja Feliz Ano Novo a alguém… Inclusive, esse ano conheci um blog de umas escritoras brasileiras, e uma portuguesa, que me encheu de contentamento, cada texto maravilhoso, sugiro fortemente que as leia também, me lembre de mostrar a você na web, antes do dia 31… O meu ano não foi muito bom para elas, em vários momentos, mas certamente elas têm mais coisas a serem comemoradas… O que não foi bom, é o que foi. Para isso haverá um Ano Novo cochilando e esperando desde sempre dentro de nós, como disse uma vez um poeta brasileiro chamado Drummond…

Ano Novo ficou só escutando, pois a certo momento, parecia até que Ano Velho dizia aquilo a si mesmo. Quando se aproximaram da mesa da cozinha, Ano Novo viu várias latas na prateleira mais alta do armário que havia sobre a pia.

– Latas recheadas de biscoito. Uma para cada mês do ano. Quando pensar “será que eu devia mesmo estar aqui?”, ou quando a vontade de gritar por socorro, mesmo sabendo que ele não virá, for mais forte e, olhe, serão incontáveis momentos… coma um biscoito… Ou dois… Ah, e faça o mesmo pelo próximo Ano Novo! Ou próxima… Vou dar a receita, mas deve decorá-la, porque já sabe…

– Ela sumirá no dia 31…

– Sim.

– Eu agradeço tanta gentileza do senhor, não poderia ser diferente. Com certeza adorarei os biscoitos, só sinto ter que comê-los sozinho…

Ano Velho levantou uma toalha que havia sobre a mesa e deixou à vista uma forma cheia de biscoitos.

– Eu fiz um pouco a mais… Afinal, esse é meu último Natal!

Sentaram-se para saborear a iguaria. Na verdade, Ano Velho já não aguentava mais ver biscoito na sua frente, mas usaria da premissa de que pessoas muito idosas como ele não comiam muito, deixaria que Ano Novo ficasse com quase toda a fornada, distraindo-o para que nem se desse conta disso.

Havia também chocolate quente e leite com canela. Como se adivinhasse o que Ano Novo ia lhe pedir dentro de dois segundos, Ano Velho quebrou o silêncio:

– Ah, sim, a receita! Eu vou te dizer todos os dias, até guardá-la bem: comece por bater a manteiga com o açúcar até virar uma mistura cremosa. Duzentos gramas de açúcar e duzentos de manteiga. Manteiga, viu? Nada de margarina! Depois, junte um ovo, raspas de limão e…

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E é isso, garotas, essa história entrou por uma porta e saiu por outra. E quem souber, que conte outra! Feliz Natal e…

*Adeus, Ano Velho! Feliz Ano Novo!*

Crédito da imagem: https://www.elo7.com.br/lata-com-biscoito-amanteigado/dp/6200DC

*Esses biscoitos parecem uma delícia, só elogio nos comentários, fiquei com vontade! XD

16 comentários em “Biscoitos de Natal para o Ano Novo (Bia Machado)

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  1. Uma história de Natal que voa como as renas do Papai Noel. Que alegria poder ler algo que me fez lembrar dos tempos de menina quando me encantei com uma narrativa ilustrada na revista Recreio (a “antigona”, raiz) sobre o Ano Velho e o Ano Novo.
    O texto pode não ser longo, mas traz lembranças de uma época de inocência . gostei dos personagens, da delicadeza dos diálogos, da explicação de que tudo se vai com o ano que acaba, e tudo recomeça com o ano novo que se avizinha. A autora acertou no tom inocente, ingênuo de um conto para crianças. Muito bom!
    Que o seu Natal seja maravilhoso e te traga um ano novo inteirinho de alegrias.

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  2. Que conto mais fofo! Quanta delicadeza! Agradeço demais seu empenho em participar do nosso desafio. Sobretudo, a ideia do desafio é fortalecer nossos laços, nossa conexão, nesse final de ciclo e você refletiu isso de uma maneira muito doce nos homenageando no corpo do seu texto. Desejo um Natal de muita paz e um Ano Novo muito inspirado e pleno de projetos e realizações! Beijos mil!

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  3. Olá, autora!

    Um conto bem legal e ainda serviu para homenagear as colegas. Bom demais, só fiquei querendo o resto da receita. Gosto de biscoitos caseiros. Legal isso da transitoriedade das coisas e da necessidade de encerrar e renovar de um ano para outro. Somos tão apegados, não é mesmo? Espero que vc tenha um lindo natal e que o ano que vem seja de muitas realizações. Deus a abençoe.

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  4. Aaaaa mas que bonito!

    Obrigada por escrever essa homenagem ao nosso grupo. Eu fico muito feliz de estar aqui com vocês. Concordo que o ano velho talvez não tenha sido o melhor de todos, mas acho que não podemos deixar cair a peteca. Somos muitas e, apesar de únicas, somos melhores juntas.

    Um ótimo Natal e feliz Ano Novo!

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  5. Querida Contista,

    Tudo bem?

    Que delícia de conto. E ainda mais trazendo receita e homenagem para as Contistas… 😉

    Me senti um pouco como a Cláudia disse acima, meio de volta à infância, com toda a magia do Natal e do Ano Novo na casa de meus avós.

    Interessante, também, é que eu estava conversando com a Iolandinha e dizendo a ela que estava morrendo de desejo de comer biscoitos de Natal, daí, apareceu este conto gostoso. Adorei. Já disse nos outros comentários que cada conto parece ter trazido um pedaço de mim, de todas nós, com este não é diferente.

    Parabéns pelo trabalho lindo.

    Desejo um Natal de luz e amor para você e toda a sua família.

    Beijos
    PAula Giannini

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  6. Um texto com cara de “estória”, mais voltado para o Ano Novo do que para o Natal, apenas mostrando que não separamos mais um do outro: são as festas, a confraternização do fim-de-ano.

    Os rituais são importantes e têm sua função. Eles carregam o poder simbólico de abrir e fechar os ciclos. A cada ciclo que termina, as pessoas sentem necessidade de fazer um balanço de pontos positivos e negativos. E isso vale tanto para as dificuldades do ciclo que termina quanto para os projetos e sonhos que ficaram estagnados e precisam ser atualizados para o novo tempo que começa. O Natal e Ano Novo são um belo empurrãozinho para incentivar o exame de consciência e abraçar o futuro.

    Parabéns por retratar em formato tão cativante esses ciclos que fecham essa convocação para a mudança, impulsionada pela massa, que com um peso especial nos leva a buscar o melhor. Boa Festas para você e as pessoas a quem ama, com muitos biscoitos, alegrias e bênçãos. E vê se passa a receita completa! Beijos.

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  7. ‘O meu ano não foi muito bom para elas, em vários momentos, mas certamente elas têm mais coisas a serem comemoradas…’
    Como me emocionei com esta frase!!! às lágrimas!!
    e nem foi o meu pior ano.. rsrs mas foi dificil!
    O Natal e o Ano Novo tao pertinhos um do outro, não dá pra deixar de juntar as duas datas e muito natural q elas se juntem tb num conto de natal.
    Muito obrigada por ele, amei esta imagem de muitos jovens Anos Novos fazendo o treinamento… coisa fofa ❤
    Parabéns, querida contista!

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  8. Ah, uma homenagem ao blog! Bem legal. Há um tempo também escrevi um conto sobre o ano novo e velho, mas no fim eram um só, só que o novo se maquiava, cortava os cabelos, vestia-se bem, mas era o mesmo afinal, tudo se desenrolava igual, rsrsrs. Sua visão é bem melhor que a minha, mais esperançosa. Abraços ❤

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  9. Olá, querida amiga Contista!
    Ahhh que conto mágico! Amei essa metáfora dos anos novos substituindo os velhos! Tão doce e esperançosa… Tudo desaparece no dia 31 e tudo pode ser realmente novo no dia primeiro… Ótima perspectiva! Gostei demais! Parabéns e boa sorte! Feliz natal! Bjooo

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  10. Olá, Contista!

    Que conto fofo e criativo, achei muito bonito essa metáfora. A homenagem as constistas e o empenho da autora para isso.

    Ano novo, ano velho. Fiquei até pensando em como seria esse lugar onde eles vivem, cada um com o peso dos 365 dias nas costas. Viajei com essa possibilidade é uma ótima história.

    Parabéns!

    Feliz natal!

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  11. Oi! Adorei esse conto, me levou para a infância…Lembrei de um filme com a Shirley Temple chamado “O Pássaro Azul” e de uma cena que nunca esqueci: no céu tinha várias crianças e jovens aguardando pra nascer. Aí chegava um barco, chamando alguns, que iam alegres, rs… Fiquei imaginando a cena, no caso, com cada criança sendo um ano novo… E Ano Novo pra mim é isso, é recomeçar, aquela história de um livro com 365 páginas em branco a serem escritas… Apesar de não ver a hora de 2019 terminar, como chegar a 2020 sem passar por ele? Impossível, então, o jeito é seguir… e aprender com as coisas que não deram certo e buscar coisas melhores, que nos tragam um bem maior… Obrigada pela narrativa, Feliz Natal e um Ano Novo de muita paz, saúde, amor e inspiração. ❤

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  12. Olá, amiga!!
    Achei seu conto bem bonito, muito fofo 🙂 ….a metáfora do velhinho (o ano que se vai) e ado ano novo, um jovem ansioso….e a citação à nós, Contistas, foi muito emocionante.
    Sim, temos o que comemorar, temos o que chorar, mas estamos aqui 🙂
    Grande beijo, feliz Natal e um 2020 de muitas realizações pra você!!

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  13. Parabéns pelo conto. É curtinho, mas aconchegante. De fato todo ano, todo dia,a cada hora temos algo novo nos espreitando e se pensarmos que tudo é findo, bate a tristeza.
    Bem, gostei do clima de ciclo.
    Boa sorte no desafio.
    Feliz Natal!

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  14. Oi, Bia. Comento já sabendo as autorias, não é? se não fosse assim e com direito a receita, teria pensado que era da Paula.
    Gostei muito, embora tenha ido um pouco mais longe do que seria, talvez a sua intenção, mas o entendi, a dado momento, como uma metáfora da própria vida, não é assim? o novo que chega sem nada saber ainda e ansioso pela aprendizagem, o velho saindo, carregado de saberes, uns piores outros melhores. É o ciclo da vida, sim. E que saibamos deixá-la com a serenidade do ano velho de que agora nos despedimos.
    Adorei a homenagem a nós, foi um mimo extra. Mas quem não leva da vida algo extra também?
    Desejo-lhe um 2020 maravilhoso e que consiga levar por diante todos os seus projetos e sonhos.
    Beijos.

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  15. Quem não gosta de biscoitos? E quem não gosta de ver o ano passar, chegando ao final com saldo positivo? Esse ano, 2020, diante de todos os percalços, o lado positivo quase não sobreviveu. Na minha avaliação, o ano de 2021 precisa de muitas latas de biscoito, porque chega sem grandes esperanças – minha opinião, é claro. Enfim, um conto bacana para celebrar uma data bacana também, para nos deixar uma luzinha de esperança em dias bem melhores.
    Parabéns, Bia.
    Um grande e carinhoso abraço.

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