SAUDADE, PALAVRA SEM FIM – Claudia Roberta Angst

Sentia a falta dele, como quem consome mais palavras do que cabem na boca, aos bocados, sem trégua. Rompia-se em saudades, em implosões contidas, subterrâneas sensações que a levavam a um ócio doentio, ao meio de todas as dúvidas que amanheciam junto a ela. Por que não falara toda a verdade quando o céu ainda estremecia em temeridade ao julgo daqueles que realmente importavam? Por que faltara com a sinceridade pontual, característica dos amantes imortais, para só então revelar o que lhe vinha definhando as fibras do bom senso, uma a uma, como cordas desgastadas de um instrumento afinado e raro? Decerto, cumpriria as inúmeras promessas, assim que fosse possível, se algum dia, fosse mesmo possível, expressar em ações tudo o que havia sido acordado entre eles, já tontos pela embriaguez passional, às portas de um romance que, logo de início, já se mostrava compassivo e dúbio.

Jazia, agora, a ilusão comum aos que se julgam destemidos e protegidos pelo amor, uma mentira costumaz que se aplicava também a ela, juíza dos próprios argumentos que saltavam como gazelas e cervos no campo caótico de seus pensamentos. A incoerência da dor, da lacuna que se abria em fendas profundas, escavadas pelos dias, que passavam mais rasos, e também pelas noites, que lhe deixavam profundas olheiras, era demasiada, concentrada em gritos que morriam sedentos na sua escassa fala.  

Pensou ser merecedora da pena mais cruel, afastar-se do amado, de desconhecê-lo, já que todos os juramentos haviam sido jogados ao lodo do esquecimento, mais cedo do que tarde, como se o amor, ali mesmo, fosse já reprovado e abatido em sacrifício. Mas quem, de fato, poderia assim julgá-la, sem rever em si os numerosos e encobertos tormentos que presenciara em vida e talvez em morte futura? Quem ousaria pronunciar-se superior aos sentimentos que ela, em prematura autoflagelação, deixava inundarem a mente, ao se entregar à febre das críticas, despetalando sonhos e desembrulhando com os dentes o presente que considerava carniça ou talvez alguma armadilha, resquício terrorista?

Nada mais importava, nem o certo, nem o errado, nem mesmo o que pensavam dela, se havia pecado em vão, se havia sido tola, ou caso apenas revelara-se humana; posto que em tudo, em cada passo, em cada olhar, em cada sorriso, ou mesmo nas lágrimas despejadas, ela se doara, sabendo que não haveria volta, sequer recompensa, talvez um olhar, um beijo, um sorriso que fosse, daquele que aninhava em seu peito, desde o princípio dos tempos, desde o todo “para sempre”, no momento crucial em que se descobrira mulher.     

Meu Desafio: Escrever períodos longos, sem julgar o excesso de palavras, clichês ou pieguice. Deixar fluir, sem criticar ou tentar remodelar o “filho”, e entregar o recém-nascido à leitura.

12 comentários em “SAUDADE, PALAVRA SEM FIM – Claudia Roberta Angst

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  1. O texto procura transcrever o complexo processo de pensamento de um personagem, com o raciocínio lógico entremeado com impressões pessoais momentâneas. Mostra-se o ponto de vista de um personagem através do exame de seus processos mentais e sentimentos, debatendo-se entre realidade, justificativas e desejos,dentro da situação apresentada. A narradora onisciente passeia pelos pensamentos do protagonista em um final de um amor/ romance). Fluxo de consciência? Escrita automática dos surrealistas? (“Deixar fluir, sem criticar ou tentar remodelar” — considero esta parte do seu desafio cumprida”)

    A característica deste processo de pensamento aqui leva a alguma ruptura na sintaxe e na pontuação, a períodos e parágrafos longos, mantendo a ligação entre as orações com um bom ritmo e em tom bem compreensível ao leitor. Assim a parte técnica também está dentro da sua proposta. (O último parágrafo é formado por apenas um período de seis linhas.)

    Parabéns pelo texto forte e sensível. Abraços.

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  2. Quatro parágrafos que retratam o fluxo de pensamento de uma narradora onisciente, seus conflitos emocionais relacionados a uma perda, ou talvez, a um isolamento imposto, afastamento de um amor. Viajei?
    Os períodos são longos e requerem um fôlego maior do leitor para dar conta do seu conteúdo. Por vezes, o raciocínio parece se perder na densidade do que se quer expressar. E não é assim que uma mente perturbada funciona? O caos dos sentimentos atados a uma linha de pensamento que parece buscar o autoconhecimento, o resgate de si mesma, longe de qualquer julgamento. Isso é possível? Talvez…
    Seu desafio: Escrever períodos longos, sem julgar o excesso de palavras, clichês ou pieguice. Deixar fluir – Os períodos estão realmente longos, mas ainda inteligíveis. Claro, eu cortaria metade das palavras, mas aí o seu desafio não seria cumprido. Portanto, parabéns por deixar jorrar esse fluxo de palavras, sentimentos e pensamentos; pela ousadia de expor o seu recém-nascido a nós. Desafio cumprido.

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  3. Olá, Alguém!
    Olha, eu devia tentar um dia escrever um texto assim… acho que não conseguiria… não me imagino escrevendo um fluxo de sentimentos e pensamentos, escrevo mais ações…
    Então, é bem forte, profundo, visceral, cru! Dá pra sentir o que ela sente. O enredo é propositalmente nebuloso e podemos encaixar em muitas histórias. Não sei mais o que te falar. Não é um texto direto, mas é bonito e profundo. Eu gostei!
    Parabéns!
    Até mais!
    Beijos!

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  4. Olá, Alguém. Achei a sua opção pelos períodos longos muito acertada, dando ao texto uma fluidez e um ritmo que me fez ler o relato da narradora sentindo o que ela sentia, uma ansiedade, um descontrole, uma explosão de sentimentos e sensações. Você faz jorrar ideias assim como temos a impressão de que as ideias jorram na cabeça dela.
    Legal você ter se proposto um desafio e ter feito escolhas corretas para que o desafio fosse cumprido com coerência, encaixando-se com a narrativa. Os periodos longos não atrapalharam a fluidez e a compreensão do texto.
    Seu texto é próprio de quem escreve sem travas, sem medo, sem preocupar-se com regras, com julgamentos. Um texto forte, visceral, “como quem consome mais palavras do que cabem na boca, aos bocados, sem trégua”.
    Gostei bastante do resultado e da proposta de ter apresentado seu filho recém-nascido assim como veio ao mundo. Parabéns.

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  5. Gostei do seu desafio. Deixar fluir o texto sem travas, e entrega-lo à leitura sem os remodelamentos que o senso crítico impõem. O resultado foi um texto denso e carregado de emoções. Os períodos longos requerem uma leitura mais lenta e reflexiva e costumam requerer um esforço extra por parte dos leitores para apreender o sentido. No seu texto o ritmo e a melodia envolventes da linguagem de certa forma deixam em segundo plano essa busca de sentido, como em uma escrita poética.

    No texto, a narradora descreve o fluxo de pensamentos de uma personagem que reflete sobre uma frustração amorosa. Embora não restem muito claras as circunstâncias do romance que impactam a personagem — o que pode ser um pouco frustrante para o leitor — as dúvidas, motivações e conflitos da personagem estão muito bem representados e de certa forma bem estruturados nos quatro parágrafos do seu breve exercício. Gostei bastante e acho que você foi muito bem sucedida no seu desafio.

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  6. Olá, contista! Olha, nem achei os períodos tão longos assim. Estou acostumada com Saramago e Mãe. Rsrs. Bom, pelo que entendi, a protagonista está a sofrer de saudade, de arrependimento e dúvida. São os sentimentos que vi presentes em cada frase. Mas o conto merece uma revisão para que esses sentimentos se concretizem com mais solidez e clareza. Em quase todos os parágrafos há a repetição da comparação dos sentimentos, usando a palavra “como”. Achei isso um pouco cansativo, mas um trato posterior vai resolver isso fácil. Não entendi o “resquício terrorista”, achei fora de contexto. Ou a protagonista foi terrorista, ou sofreu terrorismo no passado? Enfim, entendi que você se desafiou lançando o texto à leitura das colegas aqui, sem se deixar bloquear ou interferir no que saiu voluntariamente da sua cabeça de escritora. A massa bruta que há no texto é belíssima, só precisa de uma lapidaçãozinha. Parabéns!

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  7. Querida Contista,

    Boa tarde.

    Parabéns por cumprir seu desafio.

    O texto traz uma espécie de fluxo de consciência ao trazer-nos uma narradora em terceira pessoa onisciente que, de certo modo, confunde-se com a “primeira pessoa”. Quem pensa ou desabafa é a personagem, através da verve da narradora que, por sua vez, também é, obviamente, a da autora.

    Acredito, e sempre digo isto, que nem toda arte, nem toda leitura, foi feita para o entendimento como formalmente o concebemos, muitas vezes, este “entendimento” está mais uma tipo de sentir. O leitor é tocado emocionalmente pelo texto, identificando-se com aquele fluxo que passeia por seus olhos com o ritmo de um pensamento. Ora, afinal, é assim mesmo que pensamos, nossa cognição passeia aqui e ali, voltando como um redemoinho ao x da questão.

    Gostei!

    Obrigada por se (nos) desafiar.

    Beijos
    Paula Giannini

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  8. Olá querida Contista,

    Antes de saber a que te desafiava, não poderia pensar que era a escrever períodos longos sem preocupar-se.
    As frases estão boas, inteligíveis, compreensíveis.
    Esse trecho sobre um questionamento existencial da personagem faz com que a gente entre no fluxo de consciência e se faça os questionamentos dela.

    Se funcionaria num texto maior? Não sei. Assim como está funcionou.
    Permita-se, tu escreve super bem.

    Parabéns!

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  9. Olá, Contista!
    Seu texto é forte, preciso, digamos que dá o recado, e muito bem.
    Só acho que poderia ser mais direcionado ao leitor, está bastante introspectivo, e talvez para ouros olhares menos atentos torne-se mais difícil de ler, embora as frases extensas não tenham sido problema, muito pelo contrário.
    E vc cumpriu seu desafio, certamente que sim.
    Grande abraço!!

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  10. Um texto profundo, carregado de sentimento. Poderia ser a página de um diário ou trecho de romance. Não me atentei ao fato de períodos longos, foi uma leitura bem fluída. Morro de medo de lançar o texto assim, sem deixá-lo descansar algum tempo, sempre que faço isso não da certo. Parabéns!
    Abraços ❤

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  11. Desafio cumprido. Não é apenas o fôlego que se perde em um texto assim. Também a clareza de toda a sentença. Mas você mandou bem nessa construção. Talvez pudesse ter usado o ponto e vírgula, já que ele interrompe o fluxo, mas não dispersa o pensamento. Enfim, parabéns pelo texto.
    Abraços!

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