Epifania – Fheluany Nogueira – (desafio)

Um estranho (apenas de cuecas), no seu sofá da sala, bebendo sua cerveja, assistindo futebol pela sua tevê?!!

Com esforço e olhos esbugalhados, ele conseguiu perguntar:

— Cadê minha mulher?

— Está na cozinha preparando um tira gosto — (Mostrava uma naturalidade desconcertante).

Foi conferir: a mulher de roupão, cortava queijo em cubos e dispunha-os na travessa já coberta por salaminho e azeitonas. Pretas, verdes. Cuidadosamente. (Nunca havia preparado o que quer que fosse para ele, seu próprio marido!)

Ela não levantou os olhos, mas ele supôs divisar a ameaça de um sorriso nos lábios dela. Azeite. (Tranquila.) Orégano. (Sensual.) Gotinhas de limão. (Brilho nos olhos). Ela, que sempre implicou com o futebol, com a cerveja, com os vizinhos, com a empregada, com a sogra, com tudo enfim, estava em paz. Indiferente às consequências de seus atos.

Ele, então, alheio a tudo aquilo, abriu a geladeira, pegou uma latinha e encaminhou-se para a sala. Sentou-se no outro lado do sofá e atento ao jogo de futebol, abriu a cerveja e permaneceu em silêncio.

O silêncio de quem entendia a essência de algo. Lá estava um ser superior.

23 comentários em “Epifania – Fheluany Nogueira – (desafio)

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  1. Sim! Muitas vezes um susto assim grande .. hehe nos faz atingir um grau de compreensão nunca dantes experimentado 🙂
    Gostei do seu texto, Fátima!
    Muito bem escrito, dá gosto de ler

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  2. Quem seria esse invasor tao confiante? Talvez uma versão do próprio marido? Alguém que ainda desperta o interesse da mulher que, com prazer, prepara uma travessa de tira gosto. Note-se aí a ironia = tira gosto para quem lhe devolveu o gosto? Uma porção de sabores e cores, oferecida como recompensa.
    Muito interessante restar ao marido – vivendo uma epifania – apenas a opção de se conformar com o outro lado do sofá, dando lugar ao sujeito de cueca. Bobeou, perdeu o posto para um ser “superior”.
    Texto muito bem escrito, com camadas de imagens e simbologias que se intercalam com incrível habilidade. Parabéns!

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  3. Uma epifania em toda a sua essência. Meu Deus! Curto, convicto, seguro. Amei, amei, amei! As situações são loucas mas a conclusão deu cabo de quaisquer dúvidas. Um conto fantástico e super inteligente. Parabéns, querida.

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  4. Dizem que quem vai ao vento, perde o assento, mas a compreensão da impotência diante da excelência foi o ponto alto dessa narrativa. Conformar-se, talvez e só talvez, seja o passo para a felicidade.
    Parabéns pelo texto.
    Beijos e abraços carinhosos.

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  5. Muito bem sacada a coisa da epifania. O choque foi tanto que o marido “pulou” etapas e atingiu rapidinho a iluminação. Mas a luz veio mesmo do brilho nos olhos da esposa. A cena é ótima: “Ela não levantou os olhos, mas ele supôs divisar a ameaça de um sorriso nos lábios dela. Azeite. (Tranquila.) Orégano. (Sensual.) Gotinhas de limão. (Brilho nos olhos). ” Vai construindo degrau por degrau a perplexidade do marido até o clímax/epifania. Muito bom, Fátima. Adorei!

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  6. Que conto incrível, Fátima. Um homem inteligente e que sabe o que quer, o melhor personagem do desafio. Pulou etapas e alcançou a felicidade em um piscar de olhos. A narrativa é precisa, a situação insólita causa um estranhamento sob medida no leitor e o final foi um achado. Parabéns, querida. Ótimo texto.

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  7. Ótimo conto, Fátima. Muito bem escrito, interessante, divertido. Fui fisgada logo de cara e adorei. Só fiquei um pouco confusa com a escolha pela palavra alheio em “Ele, então, alheio a tudo aquilo…” pois ele não me pareceu alheio. Seria ele mesmo vindo da sala pegar a cerveja? Uma forma de nos fazer ver que eram os dois a mesma pessoa? Muito legal o final rsrs. parabéns.

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  8. Obrigada pela leitura e comentário. Sua opinião é muito importante para mim e possibilita uma edição mais acertada. Pensei assim ao optar pelo termo alheio: ao perceber a mudança da mulher, para melhor, personagem se tornou alheio ao ato de traição; ele percebeu sua impotência. O que acha?

    Um grande abraço.

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  9. Querida Fátima,

    Ótimo texto, bem ao estilo de Luiz Fernando Veríssimo! O que, de certa forma, aproxima a narrativa da crônica. Se por um lado, nos deparamos com um conto de realidade fantástica, por outro, este é um conto tão verossímil quanto nossa realidade brasileira, cheia de peculiaridades quase inacreditáveis.

    Muito bom, parabéns!

    Beijos
    Paula Giannini

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  10. Oi Fatima,
    Eu adorei, o título foi muito bem desenvolvido com o conto.
    Esse marido tendo de em tão pouco tempo compreender e se contentar que foi trocado por outro, um outro mais digno de respeito, sensualidade, cuidado e atenção por parte da esposa… foi muito bem construído. Eu adoro esse pé no absurdo, no insólito, adoro!

    Beijos

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  11. Oi, Fatima!
    Que conto fantástico, escrito com maestria e de uma inteligência ímpar.
    Seria o ser superior o próprio marido? Certamente.
    Estaria a mulher, pelas palavras escolhidas enquanto preparava os tira-gostos, tentando recuperar um casamento perdido em meio ao tédio?
    A epifania vem do marido, constatando que tem um baita mulherão, com ele….amei seu conto!!
    Beijos!

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  12. Quem encontrou a epifania? Ele ou a esposa, que enfim deixou de reclamar, ou ela encontrou um outro marido, que mesmo fazendo as coisas do ex, a deixava tão feliz ao ponto dela querer agradá-lo, ou talvez seja um sonho dele, apenas, rsrsrs. Deu um nó na cabeça, mas ainda acho que era apenas um sonho dele hahaha. Bjs ❤

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  13. Olá, Fátima!
    Seu conto é dos mais instigantes. A cena é do nosso cotidiano, um jogo de futebol e a mulher que prepara um tira gosto, mas a maior sacada é a ambiguidade no final. Vejamos. O marido não está só na sala. “Está na cozinha preparando um tira gosto” é dito pelo visitante, assim eu entendi ( e me corrija se eu estiver errada!). Ele percebe que a mulher nunca preparou uma bandeja dessas para ele antes, então ela prepara para o visitante e, ao final, ele reconhece que ” Lá estava um ser superior”, o marido diz respeito ao visitante e não a esposa ou a ele próprio. Enganei-me? E aí está a maestria, o final aberto dá margem a mil interpretações. Muito legal! Adorei! Parabéns pela bela sacada!

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