Audaces fortuna juvat (Renata Rothstein) – Desafio Contos

(Renata Rothstein, Desafio)

Antes que o despertador tocasse já estava acordado, olhando o teto.

Iniciava aquele dia com ânimo novo. Entusiasmado, até: um misto de ansiedade, euforia… um pouco de medo, talvez.

Havia tempo que cansara das privações, da vida difícil, de trabalhar anos a fio sem reconhecimento ou chance de crescimento, sem retorno.

Aí, a demissão. O desespero. A falta de perspectivas.

O dinheiro dos “bicos”, sempre curto, e a fome, sempre crescente.

Sabia que tirara a sorte grande com a oferta inesperada, e dependia dele, só dele, de mais ninguém, a grande mudança de vida.

Um futuro melhor para os quatro filhos, um descanso para a mulher, já exausta de tanto trabalhar debruçada na máquina de costura.

Planos…

A solução estava em suas mãos e corpo. Resolveu enfrentar.

Tomou um banho. Manteve o jejum, conforme recomendação.

Saiu. Na porta de casa o carro misterioso, que o levaria ao seu novo destino.

Três dias depois, deixava o hospital. Vida resolvida, dinheiro no banco.

Sorria, feliz.

Apenas um rim filtrava seu sangue, agora.

13 comentários em “Audaces fortuna juvat (Renata Rothstein) – Desafio Contos

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  1. é..o que não se faz pelo dinheiro nosso de cada dia, não é?
    Um conto direto que mostra de forma clara o peso das responsabilidades e as dificuldades deste mundo, enfim.. dá o que pensar e filosofar em cima.. rsrs
    parabéns, baby

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  2. Um retrato duro de quem não tem de onde tirar o sustento da família. Penso que sua narrativa direta e seca, embora sem deixar qualquer lacuna à compreensão do texto e à construção da empatia com o personagem foi uma escolha muito acertada. Contribui para o efeito soco no estômago que seu conto provoca. Obrigada por participar, querida. Um beijo grande. E parabéns pelo texto.

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  3. Tem dias que a vontade de chutar o balde é grande. Achei corajoso e maluca essa atitude. Não me enquadraria nem na primeira, nem na segunda categoria – coragem e loucura -, mas entendo a urgência desse homem; entendo a angústia, talvez até a raiva. Esse mundo é um ceifador de vidas por si só. Se deixar então… Que diferença faz um rim ou dois, não é mesmo?
    Parabéns pelo texto.
    Beijos e abraços carinhosos.

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  4. Oi Renata!
    Que triste essa história, que triste.
    Achei o conto bem escrito, triste desde o início, mas muito triste no momento da revelação.
    A fome é amarela, afinal.
    Me lembrei dessa frase da Carolina Maria de Jesus porque se não me engano quando alguém tem problema de rim, acho que fica amarelado.
    Puxa.

    Beijos

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  5. O título do conto traz a locução latina que significa “a fortuna favorece os audaciosos”. Teria sido audácia ou loucura? Eu diria que foi o desespero que levou o personagem a vender um rim. Tirar parte de si mesmo para prover o sustento da família foi a solução repentina.
    A linguagem clara, precisa e direta, favorece o impacto do final. Claro que qualquer pai doaria um rim para salvar um filho, o protagonista vendeu o seu para salvar os quatro filhos da fome. Realidade cruel retratada em um texto curto e impactante. Parabéns!

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  6. Oi, Rê, muito boa a forma como foi nos apresentando a história, contando um pouco a cada parágrafo, mostrando o personagem, sua vida, justificando a sua necessidade, o seu desepero, a sua coragem. Um texto claro, bem escrito que vai criando um interesse do leitor com relação ao final, sem disperdiçar palavras, na medida certa. Parabéns.

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  7. Poxa! Tenho um amigo fazento transplante de rim hoje; a doadora é a mãe. Bateu em cheio.

    Audácia? Desespero? De qualquer forma, impactante. “O que ninguém nos conta é que a vida é muito mais difícil do que imaginamos, mas nunca é mais do que podemos suportar. Decisões precisam ser tomadas. Algumas fáceis, outras difíceis.

    Parabéns, Renata, pela narrativa inteligente, que nos faz pensar. É um texto muito expressivo, mostrando um lado até melancólico e contrastante. Gostei da ambientação, da dose de suspense e da forma como o conflito foi exposto e explorado de forma bastante poética e crível.

    Um forte abraço.

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  8. Querida Renata,

    Me chamou muito a atenção esse modo telegráfico que você escolheu de narrar este conto. Uma frase para cada parágrafo, como o passar das horas, a tomada de decisão.

    Por incrível que pareça, essa sua história é bem mais real que se imagina.

    Parabéns pelo conto.

    Beijos
    Paula Giannini

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  9. Gostei da linguagem curta, seca, rasante. Assim como a solução q o protagonista arranjou para seus problemas. Uma solução dura e direta. Muito bom, Renata!

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  10. Este literalmente vendeu o rim. Mas esse dinheiro não vai dar para sustentar ele, a esposa e quatro filhos por muito tempo. E agora? Será que valeu à pena largar o emprego entediante? Um pouco de loucura sempre é bom, mas quando acompanhada de bom senso… Bjs ❤

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  11. A miséria rouba a esperança, a paz, os planos, a dignidade, e até partes de nós. Muito triste isso tudo. A que ponto se chega para se garantir o pão?

    Vivemos em um mundo onde a maioria esmagadora não tem perspectivas. Acho que para que as coisas funcionem direito é preciso dar mais que um reset no universo, mas refazer a formatação mesmo. Este modelo não está funcionando, o problema e a solução somos nós, mas será que ainda dá tempo?

    Um texto de impacto e um olhar para os desvalidos, os loucos, os solitários. Renata é uma autora que representa em seus textos este mundo invisível que nos recusamos a aceitar, onde os protagonistas não têm voz, nem vez.

    Parabéns, amiga. Este texto é sua marca registrada. Beijos.

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  12. Olá, Renata! Você construiu seu texto com a informatividade, um dos 7 pilares que fazem avançar a leitura. Um pouco a cada trecho, no caso, a cada sentença. Doses homeopáticas que vão agregando entendimento da situação que se encontra o protagonista. E quem não se sente conectado a esse trabalhador sofrido e tão ao nosso alcance no dia-a-dia. E a cereja do bolo ao final. O soco, o desfecho, a reflexão, tudo junto. Parabéns!

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