Infecção A Cura – Paula Giannini

Infecção A Cura

Avast, Norton, Windows, malware, antivírus. Defender. A palavra funcionava nas duas línguas.

Defender.

E vírus também.

Blindou o celular. Serviço completo. Agora era passar álcool em gel, colocar capa no aparelho. E em si. Capa, máscara, luvas, tudo o que tinha direito. Desinfetar. Limpar. Higienizar. Sanitizar. Era assim que se dizia no jargão.

Ao sair, cuidado para não tocar em nada. Em ninguém. Cuidado para não abraçar. Para não ter o celular invadido. A conta exposta. A vida. A saúde também. A dela. E a do celular. A física. A da alma. Cuidado para não respirar. Para não olhar nos olhos. Cuidado, para não ter a vida assim, toda exposta. Cuidado para não sorrir. Para não usar roupa curta. Para não falar demais. Na hora errada. Com a pessoa errada.

Cuidado.    

Todo esmero era pouco. Contra o vírus, o antivírus. Contra a pandemia, a assepsia. Contra o desamor, o nada. O desprezo. E mais nada.

Estava ponta.

Antes de sair, passou álcool na maçaneta. Trocou os sapatos. Limpou-se. E deixou o celular formatado sobre a mesa.

Serviço completo.

Contra o vírus, toda precaução era pouca.   

Nunca mais teria a vida invadida por ele.

Infecção A Cura.
Avast, Norton, Windows, malware, antivírus. Defender. A palavra funcionava nas duas línguas.
Defender.
E vírus também.
Blindou o celular. Serviço completo. Agora era passar álcool em gel, colocar capa no aparelho. E em si. Capa, máscara, luvas, tudo o que tinha direito. Desinfetar. Limpar. Higienizar. Sanitizar. Era assim que se dizia no jargão.
Ao sair, cuidado para não tocar em nada. Em ninguém. Cuidado para não abraçar. Para não ter o celular invadido. A conta exposta. A vida. A saúde também. A dela. E a do celular. A física. A da alma. Cuidado para não respirar. Para não olhar nos olhos. Cuidado, para não ter a vida assim, toda exposta. Cuidado para não sorrir. Para não usar roupa curta. Para não falar demais. Na hora errada. Com a pessoa errada.
Cuidado.
Todo esmero era pouco. Contra o vírus, o antivírus. Contra a pandemia, a assepsia. Contra o desamor, o nada. O desprezo. E mais nada.
Estava pronta.
Antes de sair, passou álcool na maçaneta. Trocou os sapatos. Limpou-se. E deixou o celular formatado sobre a mesa.
Serviço completo.
Contra o vírus, toda precaução era pouca.
Nunca mais teria a vida invadida por ele.

 

10 comentários em “Infecção A Cura – Paula Giannini

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  1. Um texto bem atual usando o momento pandêmico que vivemos e a tecnologia, para tocar no verdadeiro tema do conto: a separação. A limpeza de tudo, uma constante em todo o texto, é como uma vontade de se livrar da sujeira de um relacionamento ruim.

    Lembrei de outro conto que vc fez, um sobre uma mulher que limpava muito a casa, e amassava o pão. Acho que você sabe qual é, foi recente. Parece que a personagem pulou de um conto para o outro porque esta situação que vc escreveu sobre, ainda está incomodando.

    O sofrimento de uma mulher é o sofrimento de todas. Dói até na ficção. Um grande abraço em você e nesta sua personagem.

    Beijos.

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  2. Para meus aparelhos eletrônicos eu uso o AVG, agora para cortar os vírus da ‘vida real’ é mais complicado, bem que poderia existir um antivírus que pudéssemos instalar em nós e tudo seria resolvido em poucos minutos. Ótimo conto da atualidade. Bjs ❤

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  3. Mais um brilhante coto abordando a vida real, numa comparação entre os cuidados com o coronavírus (e outros) e as toxicidades advindas de relacionamentos. Como usar o defender? Sempre aletras, sempre buscando….maravilhoso, Paula ❤

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  4. É justamente para combater pragas que foram criados os antivírus. As pragas roubam dados, captam tudo. Os antivírus são capazes de removê-los ou colocá-los em quarentena; para as doenças, assepsia e medicamentos. E para invasão no contato humano? O que fazer? Como não se danificar?

    Um texto moderno, em assunto e estrutura, recursos linguísticos, linguagem. Seu estilo, Paula é inconfundível e impõe respeito ao leitor. Você é uma escritora capaz de comunicar a sua vivência estética, intuitiva e, ao mesmo tempo, lógica, livre, com fisionomia própria.

    Parabéns! Beijos carinhosos. 👏👏

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  5. Temática e estilo moderno. Paula sendo Paula. Um texto cheio de personalidade, querida amiga. Mais uma vez, meus aplausos.

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  6. Olá, Paula!
    É admirável sua capacidade inventiva, sua facilidade de brincar com a semiótica, criando um conto visual tanto quanto literário.
    Aqui, vc fala de vírus, aquilo que nos invade e nos fragiliza. E que pode ser tantas coisas, não é? Tanto um ser minúsculo quanto alguns relacionamentos que nos invade e nos expõe feito praga, ainda mais na era digital. Soberbo, amiga! Arrasou como sempre! Parabéns.

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  7. Muito interessante o paralelo criado entre o vírus Covid-19 e o vírus que nos atacam pela internet. Precisamos nos proteger dos dois tipos de vírus – o primeiro, com medidas de higiene, máscaras, álcool gel e distanciamento social. O segundo, com um bom antivírus.
    O recurso (bem criativo) das palavras tachadas foi muito bem empregado.
    Parabéns!

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  8. Que formidável! Inteligente!
    Muito bom de ler e de entender… originalíssimo.
    Não tenh oconsiderações a fazer, só encontro expressões exclamativas!!!

    bj, baby

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  9. Esse ano foi o ano de perceber quais ervas daninhas estavam infiltradas em cada jardim. Assim como fiz para me proteger do vírus biológico, usei água e sabão, álcool em gel, isolamento e distanciamento social para me proteger de sujeitos que só pesam no mundo, não é?
    Parabéns pelo texto.
    Um grande abraço.

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