A Marinalva chegou com a saia curta e o olhar longo, espichado para onde eu estava. Atrás do balcão, meu corpo estremeceu. “Hoje vou beber todas, Túlio”, disse o Marreco, batendo a mão espalmada no tampo de madeira melecado de whisky barato. “Já sei, uma coca-cola”, falei, um olho nele o outro na Marinalva, talvez meio olho nele e um olho e meio na Marinalva. “Coke, Diet Coke”, me corrigiu como sempre fazia e eu não ri, uma novidade que não o surpreendeu porque tinha notado minha distração.
“Já peguei”. “Pegou o quê?”, perguntei já me arrependendo de ter perguntado. “A Nalvinha, peguei, gostosa.” Passei o pano seco com cheiro de pano úmido no balcão, sem fazer o que ele queria, dar atenção a mais uma de suas histórias. “Não acredita?, pois pego, todo final de semana”. Abriu a coca-cola, imitando o som do gás escapando pelo lacre, “tchi”, depois se virou na direção da Marinalva e acenou. Ela acenou de volta, um aceno que não queria dizer muita coisa, mas que já era alguma intimidade. Depois de beber todas as três cocas habituais, o Marreco foi embora, não sem antes dar mais uma acenada para a minha musa.
Na semana seguinte, a Marinalva chegou antes do Marreco e sentou toda a sua beleza em uma das banquetas que dava pro balcão, o meu balcão de servir whisky barato, cachaça, Diet Coke, entre outras bebidas, como a cerveja que ela me pediu antes de dar uma piscadela. E eu mal consegui controlar o tremor nas mãos. Sem saber o que dizer, fui direto à única coisa que nos ligava. “Você conhece o Marreco, né?”, perguntei já me arrependendo. “Conheço”, ela respondeu de bate-pronto antes de levar a garrafa à boca. “Vai em casa todo sábado e me leva pra dançar.” Engasguei a seco. Ela deu um sorrisinho. “Me pega todo sábado às 20h. Gosto de dizer que é meu chofer, e ele acha graça.”. “Uber”, falei mais alto do que deveria, lembrando-me da vez em que ele tinha me falado de sua nova atividade, como se tivesse se tornado CEO de uma multinacional. Abri um sorriso mais largo que o dela, e só o fechei depois que ela saiu para conversar com uma amiga.
Assim que o Marreco chegou, com banca de quem pega todas, eu coloquei a Diet Coke no balcão para evitar que ele viesse com a mesma piada sem graça de sempre e abri o lacre na cara dele, evitando aquela onomatopeia desagradável. “Marreco, deixa eu te falar, a Nalvinha confirmou que pode chegar sábado às 20h como sempre que ela te dá cinco estrelas.”
Divertido. Comecei um conto ontem que tem essa mesma situação de moça chegando e de saia curta. Coincidência, não é? Gostei de todo mundo do seu conto. Cada um deles tinha um charme, até o bebedor de Diet Coke. Quem é que consegue beber esta desgraça, Senhor?
Isso, claro, deve-se ao seu talento de nos seduzir de várias formas. Pela ambientação, pelos diálogos, pela trama e pelos personagens. Seus contos passam muita credibilidade porque vc é sensível ao ambiente que a rodeia e aos tipos com os quais cruzamos. A soma destes fatos faz nascerem personagens e situações bastante verossímeis, gente que já vimos por aí, então a identificação é imediata e continuamos na leitura, interessadíssimos. Adoro isso.
Parabéns, Fernanda. Abalou Bangu,
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Amo seus comentários. Generosos e precisos nas minhas intenções. Q legal q tenha gostado de todos eles, tb me simpatizei rsrs. Vc é demais. Muito obrigada
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Que delícia de conto! Li várias vezes pra pegar aqui e ali os detalhes da ambientação, das sutilezas das relações, das entrelinhas!
E essa conclusão “fernandiana”, hein? Já na melhor tradição, porque quem já te leu já sabe: vem surpresa por aí! E das boas!
Excelente! Parabéns, Fernanda!
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Conclusão fernandiana foi boa, muito obrigada rsrsrs. Feliz aqui com seu comentário. Bjs
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E, eu torcendo pela gabolice do Marreco… O lado de dentro do cotidiano é feito de imagens que vêm de fora. Em si mesmas estas podem parecer prosaicas, mas a novidade nos faz sentir as fissuras do mundo como se fossem vistas pela primeira vez. Parabéns! Beijos.
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obrigada, querida Fátima. Bjs
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ahahahahah eu ri. Uma disputa silenciosa entre dois caras. O Marreco, apesar de fantasiar os encontros com Marinalva, sabia muito bem as intenções do barman. Acredito que fez de propósito inventar os encontros. Gostei. Um conto curto, mas leve, bem-humorado.
Abraços!
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Muito bom seu comentário, Evelyn. Obrigada pelo carinho e atenção. Bjs
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O cara tinha apelido de Marreco, mas quem caiu feito um Pato foi o outro. Uma pegadinha de pegador muito divertida. Adorei a construção da cena, o diálogo sem deixar escapar pistas antes da hora. Muito, muito bom, Fernanda.
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Ah que ótimo saber que gostou, Claudia. Muito obrigada mesmo. Bjs
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Olá, Fernanda!
Vc é que tem uma pegada; sua escrita leve que traz um humor sutil, irônico ou cáustico, mas já inerente ao seu estilo. Não há como não adorar essa sua precisão em, com poucas palavras, já ambientar o leitor, trazê-lo para dentro da narrativa, seduzindo-o, levando-o de um lado e de outro, enganando-o para, ao final, revelar do que realmente se trata. Adorei. Você escreve com primazia!
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mas que maravilha de comentário. Vc é demais, Sandra, muito obrigada pelo constante apoio. Bjs
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Rindo aqui, Fernanda. Excelente seu timing aqui nesse conto. Muito bom. Você é muito boa nisso, pelo menos é o que eu acho. Beijo.
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kkkk que bom que vc acha isso… eu agradeço. Bjs
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Querida Fernanda,
Como sempre perspicaz, como sempre no tempo perfeito para uma narrativa. Posso ouvir este conto narrado, sabia? Muito bom!!!
Excelentes escolhas para compor um microconto com todo o seu estilo.
Beijos
Paula Giannini
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eba!!! obrigada
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