O apanhador no campo de centeio – Resenha (Maria Santino)

Autor: Jerome David Salinger

Ano de lançamento: 1951

Número de páginas: 277 (físico), 365 (digital – 16 edição.)

Tradução: Álvaro Alencar

Resumo: Holden Caulfield, adolescente de dezessete anos, narra os acontecimentos de um ano atrás e que o levou a situação atual (recuperando-se em alguma instituição após sofrer um esgotamento). Caulfield é expulso do colégio devido ao seu baixo rendimento escolar e resolve sair antes do prazo para evitar despedidas e porque acha que não se encaixa no local, uma vez que julga todos daquele colégio, uns hipócritas e maus caráter. Após sair, o jovem resolve hospedar-se em um hotel por não estar disposto a enfrentar a reação dos pais e nesse ínterim toma atitudes questionáveis, sobretudo devido a pouca idade: beber e pedir os serviços de uma prostituta, por exemplo. Ao final ele é convencido pela irmã menor a permanecer na cidade e enfrentar as consequências das atitudes que tomou.

Quando lançado (quase 70 anos atrás), não era costume o jovem possuir fala ou fazer questionamentos sobre as escolhas que os pais tomavam e que consequentemente afetariam o futuro, então o autor surge com uma narrativa pobre de descrições, repetitiva, com gírias e palavrões, emulando assim uma narrativa jovial, porém com pano de fundo complexo que envolve sexo, hipocrisia, alienação e luto. Causando, portanto, um reboliço durante e após o lançamento da obra (60 e 70 pós guerra). O leitor mais urgente pode cair na armadilha de ver a história como é apresentada, sem perceber as nuances da trama, uma vez que a demarcação da fala do personagem deixam lacunas. O jovem possui conflitos que o fazem não se encaixar, causando, portanto, a autossabotagem em seu rendimento escolar. Holden não quer ser como os demais, não quer estar no mesmo local onde ladrões, mentirosos e aproveitadores (descrições dadas por ele aos alunos do internato Pencey, o qual está sendo expulso) se encontram. Há também a tormenta causada pela perda do irmão mais novo (Allie) após contrair leucemia. Reprovação da forma cínica e glamuriosa da vida do irmão mais velho, escritor, e que, segundo as palavras do personagem, foi “prostituir-se em Hollywood”. Problemas relacionado a sexo e ausência de manejo com as mulheres. O autor deixa pistas que levam a conclusão de que Holden possa ter sofrido algum abuso sexual, uma vez que desperta sobressaltado quando está passando a noite na casa de um antigo professor e este aparece no escuro para acariciar a cabeça do jovem. Nesse momento a fala do personagem revela que ele conhecia aquele tratamento mais que muitos (na escola e tudo) e que tarados sempre se mostravam quando Caulfield estava por perto. Em outro ponto, quando estar pensando, fala sobre sua amiga (Jane Gallagher) que certa vez chorou sem motivo aparente após o padrasto falar com ela, e isso causa estranheza e questionamentos sobre abuso sexual (negado pela garota).

O título não tem a ver com agricultura (campo de centeio) e nem beisebol (apanhador). Na verdade, o nome da obra refere-se a um poema do escritor escocês Robert Burns “Comin Thro ‘the Rye”, que fala sobre casualidades e afetividades. No livro, o personagem traduz o poema de forma errada e é corrigido pela irmã menor (Phoebe, de dez anos). Holden achava que o correto, no poema, seria “Se um corpo apanha outro em um campo de centeio”, quando na verdade a estrofe fala “Se um corpo encontra outro em um campo de centeio”. O jovem menciona isso após ser questionado por Phoebe sobre o que desejaria para sua vida, o que queria fazer do seu futuro se aparentemente ele não gostava de nada. Então ele responde que desejaria ser um apanhador em um campo de centeio, pois imagina que em um campo de centeio onde várias crianças brincam distraídas, há um precipício e ele se ver na beirada apanhando os pequenos antes da queda. O que pode ser entendido como a preservação da inocência infantil pelo maior tempo possível.

No momento em que os acontecimentos são narrados, Holden Caulfield não é adulto e nem criança, não está no colégio e ainda não saiu dele, ainda preserva sua virgindade, porém o sexo se faz presente em sua vida, não se encontra em casa, mas prepara-se para voltar, para enfrentar novamente a sociedade, deixando um gosto melancólico após o término da leitura e mostrando que o jovem fala, sente, ver e possui anseios, ainda que muitas vezes ignorados.

Apesar do livro possuir mais que meio século de lançamento, a obra ainda não foi para o cinema devido as recusas do autor e, certamente, não poderá ser estrelado de forma fidedigna devido à censura e moralismo, uma vez que se trata de um adolescente que consome álcool, tabaco, xinga e paga pelos serviços de uma prostituta, ainda que não chegue as vias de fato (no duro)

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7 comentários em “O apanhador no campo de centeio – Resenha (Maria Santino)

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  1. Como é bom sentir que a resenhista realmente se envolveu com a leitura da obra apresentada e nos trouxe uma análise sincera e apaixonada. Seu trabalho ajuda o leitor a compreender melhor o que está nas entrelinhas.

    Parabéns pela escolha do livro, ele é especial, traz uma crítica social, e, ainda, aspectos psicológicos da passagem da adolescência para a fase adulta. Existem vários tipos de interpretações, que nos levam a várias possibilidades de explicação sobre a história. Faz muitos anos que o li; talvez até releia com este seu estímulo.

    Muito bom trabalho. Beijos.

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  2. Olá, Maria!

    Li esse livro há uns 25 anos. Sua resenha me deixou com vontade de fazer uma segunda leitura. Se não entramos duas vezes no mesmo rio, como diz o sábio, não entramos duas vezes num mesmo livro. Está na hora de entrar nesse livro com a alma velha que tenho hoje.
    Obrigada pelo impulso! Um beijo!

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  3. Olá, Maria! Tal como a Giselle, li o livro há algum tempo, mas a resenha é tão instigadora que nos incita a uma nova leitura. Parabéns pela resenha primorosa!

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  4. Tenho o livro mas ainda não li. Dei para o meu filho quando estava saindo da adolescência. Agora, lendo a resenha, fiquei na dúvida se valeria a pena ler. A resenha está muito boa, e nos mostra a atenção com que a leitura foi feita, mas parece que o livro não é tão bom quanto o sucesso que teve. Figura pois em todas as listas dos cem melhores de todos os tempos. Acho que ainda não estou preparada para ter a experiência. De qualquer forma já está na estante. Da estante para as mãos não é longa a distância. Obrigada pela análise.

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  5. Ainda não li esse livro, o que é uma falha minha, sem dúvida. Imaginava um enredo totalmente diferente do que você descreveu e isso instigou minha curiosidade. Seu mergulho na leitura foi profundo e certamente enriquecedor, o que gerou essa análise sem travas. Obrigada pela dica de leitura [necessária], querida Maria. Beijos.

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