Tecendo Memórias – Contos e Cantos – Evelyn Postali

“Da mesma maneira que o bordado muitas vezes sobrevive ao pano que estampa, memórias ultrapassam vidas quando compartilhadas com as gerações mais novas.”

Andrei Andrade, Jornalista, Pioneiro Cultura e Tendências

TECENDO MEMÓRIAS – Contos e Cantos – Registro das Histórias de Tradição Oral dos Imigrantes Italianos no Rio Grande do Sul

Autora: Neusa Maria Roveda Stimamiglio
Ilustrações: Evelyn Postali
Composição musical: Pierangelo Tamiozzo
Tradução para o talian: Darcy Loss Luzzatto
Bordados: Luiza Schicora

Neusa é professora, psicopedagoga e pesquisadora. Temas relacionados em seus livros: herança cultural de descendência italiana, saberes e fazeres das mulheres através do artesanato.

Livro vencedor do 32ª Edição do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade – 2019 – Povos Formadores do Patrimônio Cultural do Sul do Brasil.

Box com dois volumes + encarte musical; 1ª edição, dezembro de 2018; miolo papel Offset 90g; capa papel Couchê Fosco 300g; Editora Lab87/92

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Começo esse relato falando do enorme prazer em ver histórias da oralidade tomarem corpo e se tornarem crônicas maravilhosas; através do registro em textos e das canções pesquisadas, integrar ilustrações e artesanato é uma ação que fortalece nossas referências culturais. O segundo ponto é a minha participação nesse projeto como ilustradora, dando linhas, cores e formas às narrativas do universo fantástico, mitos e lendas folclóricas do imaginário popular regional, através do desenho e da pintura, para depois, através de mãos hábeis na técnica artesanal transformarem-se em bordados minuciosos.

O volume 1 aborda o percurso da pesquisa, o tema e suas imbricações. O projeto nasceu de memórias individuais e coletivas e está suportado por um processo teórico/metodológico/acadêmico sólido e se irradia na possibilidade de aproximação de gerações, do resgate e valorização das raízes da cultura local. A meticulosidade com a qual a autora trata desse processo de pesquisa resulta em um conteúdo acessível e preciso.

Penso, a partir de minha experiência no escrever e desenhar, o quão importante é a pesquisa como base de qualquer elaboração, em qualquer área do conhecimento – tanto em crônicas diárias, quanto em textos ficcionais. Pesquisar não é apenas coletar informações, não é apenas juntar dados sobre determinado assunto, mas construir uma trama de conteúdo capaz de reforçar os objetivos e qualificar de forma positiva todo o processo criativo e o trabalho final.

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Foi assim que dei forma aos personagens das canções desse livro. Pesquisando sobre eles, lendo o que outros escreveram sobre eles, observando ilustrações que os representavam no passado e na atualidade. Desta forma, pude construir cada um deles conforme minha ideia, meu entendimento do universo no qual foram criados, tomando os elementos similares relatados para compor suas particularidades na minha criação. Costumo anotar palavras-chaves antes de traçar as primeiras linhas. Pode parecer um processo demorado, mas é eficaz e me dá segurança para ampliar as relações e compor as imagens. À medida que escrevo as características desses personagens e as ideias sobre eles, de como alguns os retrataram, vão sendo construídas imagens em minha mente. Essas imagens ganham forma nos rabiscos, nos rascunhos iniciais, e tomam forma mais consistente nas testagens de materiais, para finalmente, na escolha final desses materiais dar acabamento ao desenho.

Pesquisa e interpretação de informações são importantes no processo de criação seja ele qual for. Nesse caso, o produto final é um desenho figurativo. Na criação de textos ficcionais, onde existam elementos do imaginário fantástico – mitos, lendas – a pesquisa, acima de elementos que antecedam a construção de qualquer parágrafo, torna-se essencial; é fundamentação pontual para a criação das narrativas.

O volume 2 abarca os contos e cantos, o repertório pesquisado, registrado em português e traduzido em talian – dialeto falado na região de colonização italiana do Rio Grande do Sul. Esse volume é ilustrado. Cada história possui uma imagem (bordada à mão) e é narrada segundo a versão mais difundida dos personagens fantásticos da oralidade – Sanguanel, Catarinela, Persemolina, Homem do Saco, Pierin Piereto, Trúculo Dai, Nanetto Pipetta, Bepi Tchampan, a princesa enfeitiçada e o rei e o dragão. Neusa aborda dez contos sobre o imaginário fantástico contado nas rodas de filó, passado de geração em geração.

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Aqui, um aparte sobre o filó – atividade de lazer nos finais de semana, depois do trabalho na lavoura. Característica das comunidades interioranas de descendência imigrante italiana do Rio Grande do sul, os filós eram reuniões familiares e de vizinhança, onde, ao redor do fogão, os mais velhos contavam causos antigos, histórias de seres do imaginário popular trazido da Itália, cantavam e planejavam o plantio e a colheita.

O encarte musical contém a letra das músicas em talian compostas por Pierangelo Tamiozzo especialmente para o projeto. As músicas, de uma sonoridade maravilhosa, podem ser ouvidas a partir do QR code inserido na capa interna. Compor músicas dentro de um tema específico, para um determinado personagem, como foi o caso desse repertório, exige igualmente pesquisa. Como professora de música – sim, eu leciono musicalização (piano) para crianças e adultos nas minhas horas vagas e, por ter estudado piano durante quase vinte anos da minha vida, sei que para compor música é necessário um conjunto específico de conhecimentos. Sendo assim, o cuidado na composição desse repertório é mais exigente, porque implica em conter informações sobre esses personagens do imaginário popular aliados à sonoridade, melodia, ritmo, e outros elementos que fazem da composição algo valoroso.

“Os saberes e fazeres das mulheres tinham um envolvimento muito grande com a infância, pois, ao mesmo tempo em que tinham de realizar os trabalhos artesanais, elas eram responsáveis pela educação dos filhos. Os filós (como são chamados os almoços de colônia) eram os principais momentos de transmissão dessas histórias.”

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Nesse envolvimento com o projeto de Neusa, houve um reforço em mim nas questões de identidade e processo criativo. Identidade tem a ver com pertencimento. Cultura tem a ver com construção humana.  Eu, como sujeito em um determinado lugar, em um determinado tempo, carrego comigo não apenas a minha vivência, mas a história dos que me antecederam acrescida daquilo que eu construí a partir do que sou e sei. Sou uma construtora de símbolos e significados, de entendimentos de mundo, de tempos e espaços. Sou uma ponta da raiz da árvore que brota no lugar onde estou. Passado, presente e futuro se encontram dentro de mim e além, porque estão no outro que me ensina e aprende comigo as nuances do que somos e vivemos. Eu edifico a cultura a partir do entendimento da minha importância como ser construtor e transformador da sociedade, tendo como parâmetro o reconhecimento da minha identidade.

A consciência de meu lugar no mundo determina minhas ações. E sobre essas ações recai minha responsabilidade na conservação, divulgação e expansão de um patrimônio que, apesar de ser restrito a uma região específica, pertence a um país enorme, que abarca múltiplas identidades, individuais e culturalmente significativas e exuberantes.

Sobre Neusa e seus livros acesse https://www.neusaroveda.com/

Para ler e fazer download gratuito da revista da 32ª Edição do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, acesse:

http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/PRMFA2019_VERS%C3%83O_FINAL_REVISADA.pdf

16 comentários em “Tecendo Memórias – Contos e Cantos – Evelyn Postali

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  1. Republicou isso em Tudo que se prende no olhare comentado:

    Relato sobre minha participação no livro TECENDO MEMÓRIAS – Contos e Cantos – Registro das Histórias de Tradição Oral dos Imigrantes Italianos no Rio Grande do Sul, de Neusa Maria Roveda Stimamiglio, vencedor da 32ª Edição do Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade – 2019 – Povos Formadores do Patrimônio Cultural do Sul do Brasil. Sobre Cultura, Identidade, Pertencimento. Ações de registro do patrimônio imaterial.

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  2. Suas resenhas são como uma flauta mágica (do bem) que nos hipnotiza e encanta e nos faz desejar o livro resenhado. Suas ilustrações são essa maravilha, e as cores ficaram muito lindas e vibrantes. As histórias, que pela resenha, investem no realismo fantástico me fizeram criar a expectativa de mergulhar em contos como os de fadas, que eu tanto adoro. Fiquei em dúvida sobre o idioma escolhido, ainda não falo italiano. Obrigada por mais este texto sensacional. No dia em que meu livro sair eu vou querer uma resenha também. Beijosssss.

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    1. Oi!
      Esse foi um projeto de pesquisa lindo. ‘Talian’ não é italiano. É um dialeto falado só aqui, na região de colonização italiana. Bem diferente em vários aspectos do italiano oficial. Os descendentes de imigrantes da região do Vêneto, na Itália, trouxeram com eles.
      Gratidão pela leitura e comentário.
      Abraços carinhosos.

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    1. Gratidão pela leitura e comentário. Quis aproveitar esse espaço para mostrar parte do que ando fazendo além da escrita, mas que está igualmente ligado à ela. Beijos, Fátima, e abraços carinhosos.

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  3. Olá, Evelyn. Que bela resenha e relato de uma obra magistral, que enaltece a colonização italiana no sul do Brasil. Curiosamente, eu acabei de escrever um livro que tem, como cenário, Caxias do Sul. Vi-me imersa nas fotos e nas ilustrações-bordados, o fogolar, etc Magnífico.

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    1. Esse projeto fala das lendas, mas o trabalho do bordado é maravilhoso. No livro anterior existe a história das mulheres através do bordado. Também ilustrado por mim para depois virar bordados maravilhosos.

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  4. Que lindo trabalho, realmente um primor!
    Parabéns pela participação em um projeto cultural tão maravilhoso!
    Baixei aqui a revista, vou ver com carinho!
    Beijos!

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    1. Gratidão pela leitura, Giselle. Participar desse projeto foi um aprendizado. Através dele conheci outros projetos maravilhosos realizados por esse país enorme. Tem muita coisa boa sendo feita. Uma pena não termos a divulgação merecida.

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  5. Querida Evelyn,
    Você é mesmo uma artista de facetas múltiplas. Agora, essa surpresa da música… Andei pensando muito em um livro nosso mesclando composições de uma amiga, agora, com a surpresa deste seu livro, me empolguei. Parabéns pela belíssima ideia. Já vou baixar aqui a revista.
    Beijos
    Paula Giannini

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  6. Que trabalho encantador, Evelyn. Achei incrível as histórias, o dialeto, o bordado, as músicas. Muito bacana. Fiquei aqui curiosa, mérito também da sua resenha tão instigante. Dei uma olhada na revista também e fiquei bem impressionada com a qualidade do trabalho. Parabéns de verdade pela participação em um projeto tão interessante. Beijos.

    Curtido por 1 pessoa

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