Experimentos poéticos – Paula Giannini

a parte que te morde é a que sangra

tão doce eu lamberia fosse outro

qual anjo em um altar que não consagra  

deslizo inocente em asco lodo 

*

se a rua que castiga é chuva e açoite

quisera em um vislumbre eu compreender 

que Deus criou a fera desta noite?

que giro aponta a roda do não ser?

*

o horror afasta os olhos do meu rosto

aquilo que é susto é o que faz ver 

que a vida é um banquete decomposto

*

a dor que habita o mundo há de doer

o mesmo que suplica causa o nojo    

moedas irmanadas no sofrer  

Na ponta do alicate 

Ficou a carne do arrancado a seco

Do quase inteiro 

Do quase meio 

Do quase nada que me faz em partes 

*

Na crueldade de uma sobrevida

Me sobram penas da abatida asa 

Pousada em versos 

Da parte arte 

Coisa que sangra 

A parte insana a me desfazer humana


19 comentários em “Experimentos poéticos – Paula Giannini

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  1. Que lindo, Paula. Você é poeta, e eu já sabia, entre tantas outras coisas. Aqui lendo e relendo, escolhi meus verso predileto: ‘aquilo que é susto é o que faz ver’. Quem sabe me sai um poema daqui a pouco a partir dele. Beijos

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  2. Belos e perturbadores versos. E com rimas. Eu amo rimas. Parabéns, Paula, vc é assim muito versátil e ao mesmo tempo é excelente em tudo o que faz. Sempre um prazer saborear suas obras. Elas têm textura, perfume, som e, principalmente sabores. Não à toa que grande parte do que vc escreve vem entremeado com receitas. Deus a abençoe. Beijos,

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  3. Oi, Paula!
    O que dizer de um poema desse, amiga?
    Soberbo, incrível como vc está se apropriando das rimas e recriando os versos. Vc é incrível!
    Amei.

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  4. Em um poema forte e intenso como este, o modo de dizer é tão (ou mais) importante quanto o que se diz. A sua elaboração, Paula, oferece ao leitor várias possibilidades de leitura e maior interação com o eu-lírico.

    Parabéns pelo jogo de cores, pela organização dos versos, pela desautomatização do organizar linguístico e pela plurissignificação de cada palavra.

    Você é uma grande poeta. Beijos.

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  5. Olá!

    Seus versos faz lembrar Charles Baudelaire. O lance agridoce, uso de fera para denotar a natureza e selvageria. Gostei bastante do que achei que consegui extrair e também da ideia de que a voz, em vermelho é um anjo, ao mesmo tempo que parece uma ave perdendo as penas(cujas penas estão sendo arrancadas, na verdade).

    Parabéns!

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  6. Você é mesmo sensacional. Amei todo o conunto da sua experiência poética (o que está aqui e o que não está). Gosto da vida, da força, do sentimento que você coloca na sua poesia. Tem uma batida, um compasso de fundo… tão completa e sonora que parece ter fundo musical. Sou sua fã nos contos, na dramaturgia e nas poesias tb. Craque.

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  7. Não consigo nem dizer de qual versão desse poema gosto mais; a cada semana ele foi se metamorfoseando em versos cada vez mais impactantes.

    E tantos trechos são pequenas joias, como este:

    “Na crueldade de uma sobrevida

    Me sobram penas da abatida asa”

    Maravilhoso!

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  8. Da parte arte, coisa que sangra… Paula… Acho que todo artista sofre de realidade. E a arte é realmente o que nos faz mais humanos porque nossa sensibilidade aflora, fica na pele, transpira e transforma. Lindo texto. Lindo poema.
    Abraços carinhosos.

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  9. Versos que provocam um engasgo de sentimentos. Uma visão crua de um pano de fundo dramático. O que afinal nos morde e arranca aos pedaços a esperança e sangra nossa humanidade?
    Forte poesia!

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