Silêncio – Renata Rothstein (Desafio Desejo de Ano Novo)

O copo vazio flutua despedidas, num canto da sala.
Ausências tão presentes.
A árvore de Natal. Presentes.
Eu. Ainda presente, perdida na minha futura-ausência-talvez-sentida por alguém, pressinto no invisível sutilezas de um tudo que virá, enquanto o mundo gira sem parar, no tique-taque do antigo relógio de parede, marcado pela passagem do tempo.
Cicatrizes. As do relógio. As minhas.
Ele mostra, quase orgulhoso, suas marcas – mas, e eu? Quando foi mesmo que dominei a arte de sofrer em silêncio, já não sei.
Silenciei. Calei o tempo, parei o vento, tentei dar rumo ao lamento e no entanto, desoriento, somente esqueço, deito.
Adormeço infinitos de bronze, na tarde perdida. Leito de mármore, céu estrelado, treme, e teme: o que será, quando já não for? Espaço, história, rotina, cortina fechada, um eco.
O princípio ecoa melodias, é fim da linha e é fim do dia, a lua é melancólica e é tão tênue o resto e o rastro é sempre tão gasto e oposto, mas aposto que antes que tal o fosse, alguém – ou algo – assim determinou.
Silenciar o sim, porque o amanhã também já partiu, num trem de poeira de sonhos, esvaziando horizontes. Trajetórias.
Amanhã, eu sei, será um Novo Dia.

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11 comentários em “Silêncio – Renata Rothstein (Desafio Desejo de Ano Novo)

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  1. Uau, que texto forte, um poema, uma prosa poética, nem sei dizer, só sei que é lindo. As comparações entre ela e o relógio, a relação dela com os objetos foi uma escolha bastante acertada. Vi nitidamente o silêncio retratado ali.
    Gostei do ritmo, só neste trecho: “calei o tempo, parei o vento, tentei dar rumo ao lamento e no entanto, desoriento, somente esqueço, deito”, senti um exagero nas rimas, inclusive até a palavra “entanto”, que ali não tem peso, por também terminar em “to” , pesou ainda mais esta sonoridade. Mas é só minha opinião. Mas foi só isso que me incomodou. O texto é lindo e traz um final com certa esperança. Há sempre um novo dia.

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  2. Que poesia linda. Que pequena joia preciosa. Flutuei em seus versos, carregada nas asas de suas palavras. Um frescor e um pesar. Dor e êxtase. Um arrebatamento.

    A única coisa que eu mudaria seria diminuir. Achei que não precisava do volume, já estava sobrando beleza.

    Amei o desfecho.

    Quero ser sua amiga.

    Feliz ano novo.

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  3. Prosa poética com um tom melancólico, mas que termina com um toque de esperança: amanhã será um novo dia. Boa construção de imagens que nos levam a um cenário marcado por ausências, mas que também trazem uma presença nostálgica.
    Como a Fernanda também estranhei o uso das rimas tempo, vento, lamento – deu um quê de clichê a um texto que se revela tão singular e belo, mas não é uma falha, só um desencontro com o meu gosto pessoal mesmo.
    Parabéns pela poética participação no desafio.

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  4. Olá,
    Gostei bastante.
    Não exibe necessariamente um desejo mas contém o tom de esperança, típico da época.
    Adorei mesmo, nostalgia, saudade, afeto na medidas.
    Obrigada pelo texto!

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  5. Um texto melancólico, poético. Quase um adeus. Mas acho que é assim mesmo. Todo final de ano é um adeus. Um adeus já pensado ao longo de mais de 360 dias. É um despedir-se e um recomeço, porque é assim, afinal, que podemos nos refazer como pessoas. Precisamos nos despedir e recomeçar.
    Um belo texto. Parabéns!
    Abraço!

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  6. Um texto muito sentido. Gosto quando você traz a imagem do relógio de parede que com sua concretude me reconectou com o texto. O mesmo acontece com o leito de mármore. Concordo com as colegas que uma economia nas rimas e assonâncias faria bem ao texto. Feliz Ano Novo, querida contista. Beijos

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  7. Um texto muito poético e igualmente forte. Uma porrada mesmo.
    Ao contrário das colegas que comentaram antes, não senti o tom de esperança no texto e sim a despedida, a morte, a fatalidade. Especialmente o trecho “Eu. Ainda presente, perdida na minha futura-ausência-talvez-sentida por alguém” e o fato do leito ser de mármore me remetem diretamente ao suicídio de alguém que já vinha de (auto)mutilações “Cicatrizes. As do relógio. As minhas. Ele mostra, quase orgulhoso, suas marcas – mas, e eu?”.
    O desejo me parece ser acabar com essa dor, com esse sofrimento.
    Enfim, parabéns pelo texto que, apesar da temática triste, está belíssimo.

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  8. Querida colega contista,

    Gostaria de parabenizá-la pela exploração das possibilidades polissêmicas do signo linguístico! Muito bem colocadas, também, as lógicas parônimas, as palavras parecidas que acabam dialogando por uma lógica maior!

    Parabéns pelo efeito que seu texto gera: esperançar.

    Abraços,

    Amanda

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  9. Olá. Um texto que exala nostalgia e melancolia, porém com um toque de esperança, amanhã é outro dia… Abraços e feliz 2023 ❤

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  10. Querida Contista,

    Feliz 2023!

    Prosa poética ou poesia prosaica?

    Belo e forte texto que, assim como a Francine, senti como uma carta de adeus: “Silenciar o sim, porque o amanhã também já partiu, num trem de poeira de sonhos, esvaziando horizontes”. Aí é que reside a beleza da leitura, depois de pronto, o texto é do leitor e é ele quem construirá novos significados para o que já foi escrito.

    Se por um lado é o fim, por que não, também, um (re)começo?

    Como sugestão, sempre implico com uma das contistas e chamo a atenção dela para um certo jogo de palavras, às vezes pelo sentido, em outras pela aliteração. Assim, impliquei com pequenas construções como: “treme, e teme”. Mas, este e só o meu gosto como leitora.

    Parabéns pelo trabalho.
    Beijos
    Paula Giannini

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  11. Olá, Contista!
    Seu texto é bastante reflexivo, desperta sensações,por vezes pensei em chegadas, noutras, despedidas.
    Gosto das palavras e da utilização de objetos para sinalizar sentimentos: .
    Achop que no fim há esperança, pois “O princípio ecoa melodias,” e “Amanhã, eu sei, será um Novo Dia.”
    sim, será.
    Grande abraço!

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