Cai a tarde em Brasília
você toma o primeiro gole
do drink colorido
só há mulheres às mesas
o gerente te oferece um doce
pra compensar a demora
você está sendo mal atendida
talvez porque seja
a única
numa mesa
sozinha
você não gosta de brigadeiro
nem entende como alguém pode gostar
de algo tão insípido
no laudo do ecodopler
seu coração acusa um defeito
que antes não havia
a dama branca se aproxima
você comenta no whatsapp
com seu último amigo
[se olhar de trás pra frente
o primeiro, em foco
de uma longa fila
contrastando com os contornos
indefinidos dos mais antigos]
há pedintes, panos de prato, paçoca
você não fala
seus olhos sob as lentes
não
dizem
nem falta de compaixão
a bebida parece forte
você não bebe há três dias
você pensa na sua irmã
seria bom se ela estivesse comigo
não que você queira salvá-la
você sabe bem que salvar alguém é impossível
mesmo assim você quer
sua mãe, seu ex-marido
você não conseguiu içar ninguém do abismo
você não sente inveja, nem cobiça
das mulheres acompanhadas nas mesas em torno
sua bebida está forte
o coração bate nas têmporas
sua garganta arde de alergia
e se o meu coração parasse agora
como o dele, tomando um drink
você lembra
do Caio outro dia dizendo
o milagre é continuarmos vivos.
Cai a tarde em Brasília – Elisa Ribeiro

Sem palavras…
Não deveria ser assim, mas é verdade que a dor é uma imensa inspiração para a mais linda arte.
Que você fique bem, amiga.
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Uau, vc é mesmo incrível. Amei. Só não consigo entender a parte do brigadeiro… tô brigando com essa informação rsrs. Beijos e fique bem e continue escrevendo lindamente para nós.
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Cai a tarde…e numa velocidade vertiginosa sensações e sentimentos pairam, trazem mensagens, dão lugar a percepções outras (talvez algumas quase paradoxais, como o doce do brigadeiro tornar-se insípido – qual o sabor, qual a cor, o todo, para quê? Tudo, nesse momento, é gris).
Lembranças, a mulher de branco, inevitável, aproxima-se, sempre chega, e quando sem aviso, o que dizer? Imaginar se ela também chegasse, para você, como para o querido, amado e saudoso…mas então, em meio a tantas questões e gritossilenciosos urgentes, a resposta (de esperança) vem: “o milagre é continuarmos vivos.”
Querida Elisa, belo, muito belo…e doloroso.
Te amo, amiga. Grande beijo
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Muito lindo e reflexivo seu texto, abraços!
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Elisa, amada… Ótimo texto. Você é muito corajosa. E talentosa… Sempre.
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Engraçada esta dinâmica entre o que sentimos e sabemos e o que imaginam os que estão em nossa volta, sempre tão distantes da verdade. A verdade é que não temos o controle de nada, não temos como salvar ninguém, se nem a nós podemos salvar, mas seguimos: em mesas solitárias, em pensamentos furtivos e em interpretações aleatórias. Que a dor passe, amiga.
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