Cai a tarde em Brasília – Elisa Ribeiro

Cai a tarde em Brasíliavocê toma o primeiro goledo drink coloridosó há mulheres às mesaso gerente te oferece um docepra compensar a demoravocê está sendo mal atendidatalvez porque sejaa únicanuma mesa  sozinhavocê não gosta de brigadeironem entende como alguém pode gostarde algo tão insípidono laudo do ecodoplerseu coração acusa um defeitoque antes não haviaa dama... Continuar Lendo →

O frio é psicológico – Elisa Ribeiro

Faz frio. Não tanto quanto ontem e provavelmente menos do que daqui a dois dias quando está prevista a chegada de uma frente fria daquelas. Aqui em Lisboa é inverno. Faz frio, mas o tema encomendado dessa crônica é o verão e eu, bom soldado, caço na memória um kairós* qualquer que possa render uma... Continuar Lendo →

O especialista – Elisa Ribeiro

Viam-se todas as terças e sextas. Ela, ainda de dentro do ônibus, atraída pela estranheza de sua figura, o observava caminhando, solitário, na areia. Ele a acompanhava com a respiração suspensa assim que ela dava as costas à praia e entrava no prédio de fachada vermelha: seu andar de princesa, as pernas longilíneas deslizando, o... Continuar Lendo →

Aquilo que se impusera – Elisa Ribeiro

Sentou-se no tapete em frente à janela. As pernas dobradas, as mãos sobre os joelhos, os olhos da gata da vizinha nos seus. Fechou-os. Pensou em si mesma como uma fruta em ponto de tombar ao chão de madura ou uma hortaliça em fim de ciclo na terra. Usava essa imagem para fazer-se imóvel, o... Continuar Lendo →

Match, crush & pizza – Elisa Ribeiro

Local: Quarto do filho jovem (Mãe e filho sentados na cama) FILHO: Mãe, agora não. Eu tô cansado. Isso aí é demorado. MÃE: Nada disso. Eu já baixei o Tinder (pronunciando “tindow”). FILHO: Mãe, é Tinder (com pronúncia corretíssima). MÃE: Então, foi o que eu disse. FILHO: Ok. E aí? (debruçando-se sobre o celular da... Continuar Lendo →

Meninas e lobos – Elisa Ribeiro

Quatro da manhã em ponto, o instante em que os espíritos voltavam aos corpos, riu de sua própria desgraça.  O cheiro nauseante a despertara, os olhos muito abertos, não voltaria a dormir, nem adiantava continuar deitada. O cheiro era uma alucinação olfativa, pesadelo recursivo, sem imagens, já estava acostumada. Sempre vinha acompanhado do ranger fantasmático... Continuar Lendo →

Vestígio – Elisa Ribeiro

VESTÍGIO Penetra a trama do meu vestidodesfaz o liso dos meus cabelosqualquer brecha é caminhoarrepia-me os pelos. Sibila nos meus ouvidosdelícias que eu não entendocerra meus olhos, prefiroalongue-se e seja lento. Dança comigo, aproveitameu corpo servil ao seu ritmopor um tempo até que a chama se extingasem deixar qualquer vestígioao sopro do próximo vento. (*)... Continuar Lendo →

Encarnado – Elisa Ribeiro

O espelho trincou do nada. Trinta anos pendurado na parede, trinta e um precisamente, desde que se instalara naquele sala e dois quartos. Não acreditava em maus presságios. Olhos exagerados, rugas e sarda apagadas, polvilhou no rosto o pó translúcido, última etapa da maquiagem; o batom, só na hora de sair de casa. A flacidez... Continuar Lendo →

Tropeço – Elisa Ribeiro

Porque olhava adiantenão no espaço — o chão abaixo,o imediato à frente —mas no tempo           o mundo transfigurado          as dores próprias e as dele          que ainda não sabia, mas que viriam            e a névoa que lhe embaçaria... Continuar Lendo →

A última chance – Elisa Ribeiro

Não era por amor que ia visitá-la, mas por compromisso. A hipótese de se tratar de amor o sentimento que o unia à esposa só durara até ele se apaixonar por Eloísa. Depois de Eloísa, só restara a coabitação, os bens em comum, os filhos. Com Eloísa entendeu e experimentou o que depois dela passou... Continuar Lendo →

Ciúme – Elisa Ribeiro

Quando era Maria Helena a primeira a despertar, abria só o olho direito, o outro, mantinha fechado. Virava-se, então, para o lado esquerdo da cama, aquele onde o marido não estava, e aproveitava para pensar um pouco na vida, sossegada. Paulo achava um milagre gostar tanto da mulher. Após tantos anos, ainda admirá-la apaixonado. Enquanto... Continuar Lendo →

Trinta minutos – Elisa Ribeiro (desafio)

Levantou-se assim que a mãe sentou de volta com mais meia dúzia de pães de queijo, uma montanha de ovos mexidos e a terceira chávena de café com leite.  Iria esperá-los lá fora, no alpendre, estava satisfeita. O pai fez que sim com a cabeça, a boca cheia de presunto com bacon. Odiava aquela parte... Continuar Lendo →

O quadro – Elisa Ribeiro (desafio)

Instalou-se bem cedo em um banco no meio da praça: cavalete, pincéis, tela e tintas. Luz e ângulo perfeitos, pôs-se a pintar: o céu, os passantes, os automóveis, os edifícios. Logo, alguns suspenderam a pressa da segunda-feira lenta para assistir-lhe o manejo dos pincéis, a forma como misturava as cores sobre a tela transformando em... Continuar Lendo →

Pas de quatre – Elisa Ribeiro (desafio)

Tomava café e fumava na janela de seu apartamento no oitavo quando a avistou no térreo do prédio em frente. Dançava, um vestido branco transparente e esvoaçante usando nada por baixo, imaginou, já sentindo os nervos involuntariamente se tensionarem. Nunca a notara antes, seria neta da velha horrenda que ali morava? Portava algo entre os... Continuar Lendo →

Ela – Elisa Ribeiro

A tímida luz crepuscular apenas se insinuava por trás das delicadas cortinas de voile lilás. Logo o despertador do celular a traria de volta de seu sono de princesa, lânguido sob a coberta cor-de-rosa macia e peluda que transbordava da cama como uma calda cremosa de morango se misturando às almofadas e aos bichinhos de... Continuar Lendo →

A versão da vovó – Elisa Ribeiro

Refaço teus passosTe recrio no que façoMeu fim, teu começo “Tua mãe virou um passarinho. Quando você criar asas, ela vai vir te buscar.” Foi o que a avó lhe disse quando pela primeira vez ela perguntou pela mãe. Levada pelo pai, já estava há três dias na casa da avó. Um mês depois, ele... Continuar Lendo →

Meio-dia, em Brasília (Elisa Ribeiro)

Quero-queros passeiam como se nada se passasseatenta aos meus passos, circundo os ninhosnão quero que pese sobre meus ombrosa culpa pelos ovos partidos. Ante os coletivos que circulam solitáriosvejo brotar marmitas em esquinas que não existem(cada um sobrevive como pode)nenhum carro paraeu, a pé, hesito em correr o risco— o dinheiro, o cartão, o toque,... Continuar Lendo →

Por um tempo (Elisa Ribeiro)

Era um domingo ensolarado e a família saiu cedo. Os gêmeos no banco de trás, o programa seria subir a serra, almoçar com os avós e passar o resto do dia com eles. Juntou dois livros às tralhas das crianças: o romance do Vargas Llosa, no qual evoluía muito lentamente, e a coletânea de poesia... Continuar Lendo →

Em Praga, um cisne (Elisa Ribeiro)

Branco é o animal ferido,as asas de anjo encolhidas,prostrado no asfalto frio.Seu parceiro de uma vida,o coração partido,desliza sozinho no rio. Isso, o amor desfeitoantes do anjo caído,intriga o turistaque escorrega pelas ruas da cidadetambém sozinho,em despedida. Pensa em salvá-lo— tão alvo, tão liso —com aquele bico indefinidose de tédio, maldade ou riso.Mas vai molhar... Continuar Lendo →

Flora – Elisa Ribeiro

— Como assim, Letícia? — Não sei! Aconteceu. — Você não tava tomando remédio? — Tava! Mas às vezes eu esqueço...   — Não acredito! Você tem certeza? — Praticamente. Deu positivo no exame de farmácia. Repeti ontem, te falei.  Só falta confirmar no exame de sangue. No dia seguinte o exame de laboratório confirmou. Letícia... Continuar Lendo →

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