Lúcio deixava a empresa após um produtivo dia de trabalho, calmamente, como quem vai embora sem querer ir, quando o chefe, que o observava do saguão, perguntou, com a amabilidade que lhe era tão própria: “por que a pressa?, vai tirar o pai da forca?”. Lúcio apenas sorriu, eram perguntas retóricas, e ainda antes de... Continuar Lendo →
Estou indo embora – Fernanda Caleffi Barbetta
O habitual beijo, aguardado nos lábios, foi desviado para a testa, e aquele gesto, após os demais que a vinham inquietando, pareceu-lhe o derradeiro. Desfez o bico seco e o observou alcançar a escada, os pés pesados ganhando os degraus, a calça desbotada, os sapatos precisando de graxa. Suspeitou que aquele fosse o dia em... Continuar Lendo →
O Velho – Fernanda Caleffi Barbetta
(Fabíola vai até a cozinha, onde a mãe lava a louça) Fabíola – O que o Tião queria a essa hora?Mãe – Tião?Fabíola – É. Ele não tava na sala com o pai?Mãe – Era o velho. (Fabíola senta-se à mesa) Fabíola – Que velho?Mãe – Parece que encontraram um corpo.Fabíola – Corpo, que corpo?Mãe... Continuar Lendo →
Vômito – Fernanda Caleffi Barbetta
VômitoSentinojoquando dissetudo o que quisdizer,gritando,tudo o que queriaque euouvisse.Nojo,não das palavras,mas da suaboca,como se o asco residisseem quemvomitae não na comidaregurgitada.
Sem Saída – Fernanda Caleffi Barbetta
Construi uma casacom todas as janelas paradentro,do banheiro via a salado quarto via a cozinha.Não deixei portas para oexteriorpara que ninguém entrasse,e eu não conseguia sair também.De fora,faziam buracos nos tijolos,que eu tapava,apressada, ansiosa, nervosa.Hoje, quebrei as paredesinternasaté derrubar a que davapara fora.Mas a rua estavadeserta.
Uma noite de Insônia – Fernanda Caleffi Barbetta
Abro os olhos, e o quarto ainda está escuro. Olho para o rádio-relógio. São 3 horas da manhã e o sono já foi embora. O Paulo dorme placidamente. Sinto inveja. Viro pro outro lado. Começo a pensar nas coisas que preciso fazer quando acordar. Isso se eu acordar mais uma vez ainda hoje. Espanto os... Continuar Lendo →
O pegador – Fernanda Caleffi Barbetta
A Marinalva chegou com a saia curta e o olhar longo, espichado para onde eu estava. Atrás do balcão, meu corpo estremeceu. “Hoje vou beber todas, Túlio”, disse o Marreco, batendo a mão espalmada no tampo de madeira melecado de whisky barato. “Já sei, uma coca-cola”, falei, um olho nele o outro na Marinalva, talvez... Continuar Lendo →
Quanto falta? – Fernanda Caleffi Barbetta
Estava chegando, mas ela não entendia distâncias. A idade tão pouca, a vida tão tenra. O ar ficando pesado, a respiração mais difícil, o corpinho se molhando de suor. Sim, estava chegando, mas ela não entendia o tempo. Era difícil aquietar um corpo ansioso por viver. Inclinando-se para frente, tentou encarar a mãe, mas viu... Continuar Lendo →
Visita natalina – Fernanda Caleffi Barbetta
— Quem é o senhor?— Opa, a senhora tá ai!— O que o senhor faz aqui?— É o dia de eu vir, então eu vim.— Dia de vir?— É o que dizem.— Dizem? Quem dizem?— Muitas pessoas.— Aqui na minha casa? Veio ver o Beto? — Em várias casas, na verdade.— Quem é o senhor?—... Continuar Lendo →
O irmão da Maria Theresa – Fernanda Caleffi Barbetta
Quando eu nasci, ninguém sabia meu nome. Eu era o irmão da Maria Theresa. E isso era informação que bastava. Só depois, bem depois, foi que eu me tornei o Nelsinho.Na época do meu nascimento, 25 anos atrás, minha irmã já era a Maria Theresa, com agá, famosa lá pras bandas do Mato Grosso. Eu,... Continuar Lendo →
Tempo e espaço – Fernanda Caleffi Barbetta
Há espaços por entre as fendas do tempo,onde derramo, em cada vão, os meus instantes.Horas errantes a preencher todo Espaço,no vai-e-vem que torna o hoje como dantes. Será vão o tempo à espera de seus versos.Há de ser urgente o voo aguardado, jamais previsto.Que as asas sustentem o peso doce das palavrasSerão menos leves os... Continuar Lendo →
Nunca usados – desafio – Fernanda Caleffi Barbetta
O café esfriando na xícara, e o Ernesto com os olhos grudados no jornal. “Vendem-se sapatinhos de bebê”, leu, reforçando cada sílaba, como uma criança recém-alfabetizada. “Mora duas ruas pra baixo. Cancelamos a ida ao centro da cidade”.Ainda com um pedaço de pão com geleia na boca eu fui dizendo que de maneira alguma eu... Continuar Lendo →
Versos trocados – Fernanda Caleffi Barbetta
Um barulho na janela tirou minha atenção da leitura. Dali de onde eu estava, na poltrona, espichei um pouco o pescoço e consegui ver que era uma espécie de pássaro em pé sobre o parapeito, do lado de fora. Deixei o livro de lado e fui até lá. Era um pombo quase todo branco, não... Continuar Lendo →
A Separação (Fernanda Caleffi Barbetta)
Primeiro você mudou de linha. Imaginando que eu não perceberia, pulou para o outro parágrafo e foi se distanciando, até ultrapassar as margens e chegar à outra página. Foi então que eu te perdi de vista.Ouvi dizer que, durante dias a fio, você percorreu páginas e invadiu capítulos, ansioso, confuso, aparentemente sem um propósito definido.... Continuar Lendo →
A poesia do outro (Fernanda Caleffi Barbetta)
Não vejo graça em ler o que escrevo.Gostoso é pousar os olhos nos escritos do outro.Igual comida que a gente mesmo faz,não tem sabor,falta tempero.O problema é que ler o outroàs vezes me dá gastura.Quando a coisa é boa mesmodá uma sensação amarga de desejar ter escrito aquiloe não poder mais.Plágio é crime.Outro dia, pedi... Continuar Lendo →
Desejo – Fernanda Caleffi Barbetta
Postou-se ao meu lado,a respiração acelerada, ansiosa.Desejava que eu lhe notassea presença,que eu erguesse a cabeçae lhe encarasse os olhos,lhe fitasse os lábios.Mas retive minha atençãoaos seus sapatos,que, pouco a pouco,se afastaram,deixando para trása respiração acelerada, ansiosa,que talvez fosse minha desde o início.Ignorando o desejo,que talvez fosse somente meu,de que me notasse eme encarasse os... Continuar Lendo →