Ele partira há três dias. Precisava voltar a comer, ela pensou. E parar de chorar. - Vou pedir uma pizza. O rapaz do outro lado da linha aguardava. - Err... quatro quei… Parou. Sempre pedira o que ele queria. - Palmito, por favor. Desligou e sorriu. Tudo ficaria bem.
O Que Nos Resta – Giselle Fiorini Bohn
Olho para meu filho, deitado no sofá, nesta tarde de nosso terceiro lockdown. As aulas foram suspensas mais uma vez, e um ano de seus nove foi passado assim: fazendo a lição de casa aos prantos pela manhã, e matando a tarde com o meu antigo celular nas mãos. Não, não era assim que deveriam... Continuar Lendo →
Paz – Giselle Fiorini Bohn
Ela só queria ter paz. Primeiro, apostou na religião: ia à missa, rezava o terço, fazia novenas. Aí passou à fase mística: tentou Reiki, tomou o chá de Santo Daime, buscou o sagrado feminino. Então veio a etapa niilista e, com ela, abraçou o ateísmo. Até que cansou de não acreditar em nada e recomeçou... Continuar Lendo →
Aura – Giselle Fiorini Bohn
- Você me ama? - Sim. A pergunta já lhe fora feita tantas vezes que ele respondia sem nem mais pensar. Começou pouco após conhecê-la; no início achou doce, então divertido, depois estranho, e agora era insuportável. A insegurança e a carência, que tanto o encantaram a princípio, passaram a exasperá-lo. Ele havia dito sim-claro-que-eu-te-amo-que-bobagem-isso... Continuar Lendo →
O Ódio Que Nos Une – Giselle Fiorini Bohn
- Oi! - Oi, gente! - Fala, galera! - Vocês estão me ouvindo? - Sim! - Não? É que você está mudo! Tem que apertar o... isso, agora, sim! - Bom, estamos todos aqui, então vou direto ao assunto. Eu venho pensando muito ultimamente, e sei que este grupo foi criado porque nós todos aqui... Continuar Lendo →
Aceitação – Giselle Fiorini Bohn
– Eu vou te contar uma estória. Não existe? Não sabia. Bom, então tudo bem, vai ser uma história com h. Ah, não é verdade, não, é só uma historinha mesmo. Era uma vez uma mulher, que sempre chorava. Chorava porque amava um homem, e amava tanto, e precisava tanto dele. E chorava e sofria,... Continuar Lendo →
Satélite – Giselle Fiorini Bohn
- Eu gostaria que a senhora falasse sobre o aspecto premonitório da literatura. Esse é um assunto interessantíssimo. Tantas coisas foram previstas pela ficção. Posso, como exemplo, citar Sinclair Lewis em 1935 descrevendo a ascensão de um populista idêntico a Trump, ou, aqui mais perto de nós, o Brasil distópico das obras de Inácio de... Continuar Lendo →
A Flor e a Flor-Declaração – Giselle Fiorini Bohn
Um dia, há muito anos, calculei quantas horas eu havia passado na então única rede social que acompanhava, e me assustei. Agora nem tenho mais coragem de refazer essa conta; o que mais assusta nela não são as horas perdidas, mas, sim, as horas não vividas. E com as redes sociais mesmo as horas vividas... Continuar Lendo →
Rendição – Giselle Fiorini Bohn
Quando eu tinha quinze anos eu gostava de roer as unhas. Adorava tirar cada pedacinho, contorcendo minha boca até que não sentisse mais nenhuma farpa teimosa, até que meus dedos latejassem de dor. Mas eu não ligava, e eu os apertava uns contra os outros até que ficassem amortecidos. Roer as unhas era uma infantilidade,... Continuar Lendo →
Conforto – Giselle Fiorini Bohn
- Eu ouvi dizer que existe uma coisa chamada conforto... - Você acredita em tudo. A coragem na voz da menina apagou-se por um momento. Por que ele sempre fazia isso? Não que seu tom fosse rude ou prepotente; podia-se dizer até ser terno. Mas, com poucas palavras, tinha o poder de fazê-la sentir-se tão... Continuar Lendo →
O Melhor Lugar do Mundo – Giselle Fiorini Bohn
No meio da noite ele vem. Abre a porta devagarinho, os pequenos pés se esforçando em não quebrar o silêncio na transgressão. No meio de nós ele se aninha, a cabeça roubando um cantinho do meu travesseiro. Ele me beija o rosto enquanto uma das mãozinhas quentes procura a minha. No meio da noite e... Continuar Lendo →
Um Tonto de Natal – Giselle Fiorini Bohn
- Natal? Pois eu explico. Vocês sabiam que Jesus não nasceu no dia 25 de dezembro? Esse dia foi escolhido por Roma apenas no fim do século III para coincidir com os festivais pagãos que celebravam Saturno, o deus da agricultura, e Mitra, o deus persa da luz, e assim convencer o povo a aceitar... Continuar Lendo →
Idiota – Giselle Fiorini Bohn
Ela fica dias e dias remoendo ressentimentos e rancores e repassando tudo o que vai dizer. Ele tem que saber o que ela sente, o quanto sofre, o quão terrível é seu descaso. E ela pensa e pensa e anda pela casa falando sozinha o dia inteiro e quando a noite chega ela não dorme... Continuar Lendo →