Uma carta de triste amor – Vanessa Honorato

 

Só queria que soubesse que eu fui feliz. Apesar do pouco tempo que passamos juntos, eu fui sim, feliz. Está certo que nada nessa vida é perfeito, nem tudo sai como o planejado, eu entendo…

Por muitas vezes, senti em você tristeza, insegurança, medo; mas senti, também, o amor. Sei que você me amou, à sua maneira, mas amou.

Quantas vezes eu quis enxugar suas lágrimas e lhe dizer que tudo ficaria bem, mas você não quis me ouvir. No fundo do meu coração, que batia acelerado, eu falei em silêncio que todas as dificuldades seriam superadas, que ainda seríamos muito felizes, um ao lado do outro, mas você ignorou todos os meus sinais.

Hoje é um dia triste, o dia em que devo dizer adeus. Hoje você não pensará assim, talvez nem nos próximos anos, mas chegará um dia em que você olhará para trás e se lembrará de mim, e aquele insistente “Se” aparecerá, lhe arrancando muitos “talvez”, porém, não quero que se sinta triste, não quero que sofra por mim, porque, como já disse, te amei, e fui muito feliz só pela oportunidade que tive de dividir um tempo da minha vida com você.

Esta data de hoje ficará gravada em sua memória. Mesmo sem querer, quando olhar no calendário, seja para conferir a data de uma prova da faculdade, ou, posteriormente, a data de atendimento à um cliente, e notar este dia, sua lembrança voará até mim, e você voltará no “talvez”.

Mas eu ainda estarei exatamente aqui, com o coração aberto, ainda esperando nosso encontro, para sentir seu toque, seu cheiro, seu carinho… Você foi tudo para mim, e sei que também signifiquei algo para ti, apesar de ter-lhe feito sofrer tanto, e eu nem sei exatamente por qual motivo. A única coisa que eu fiz, foi desejar sua presença, seu amor, sem pedir nada em troca. Mesmo assim, te peço perdão por todas as noites que fui causa de sua insônia, choro e dor.

Para terminar, mamãe, pedir-lhe-ei que fale também com papai. Diz-lhe que desejei ouvir sua voz a falar carinhosamente, e não aos gritos; diz-lhe que esperei por uma carícia sua; diz-lhe que uma única palavra dele teria sido capaz de mudar tudo e eu poderia ter nascido. Mas, diz-lhe também, mamãe, que eu o amo, assim como amo você.

Enquanto isso, continuo sendo o que sempre fui: um anjinho do céu.

Mamãe, papai, se a felicidade de vocês custou a minha vida, então use-a bem, por favor, sejam felizes!

 

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24 comentários em “Uma carta de triste amor – Vanessa Honorato

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  1. Puxa vida, guria!
    Que lindo isto! E pensar que o anjinho não sente mágoa ou rancor, claro, pois é um anjinho do céu. Coisa linda de se ler…pró-vida toda a vida.
    Besitos!

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  2. Vanessa, seu conto me fez chorar… eu tenho uma filha de dois anos e não consigo imaginar como alguém pode fazer um aborto…
    Muito triste e profundo. Parabéns!!

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  3. Esse é um conto cujo tema é delicado porque aponta para uma das decisões mais difíceis de se tomar, na minha humilde opinião. Eu acredito no livre-arbítrio, um dos presentes que ganhamos quando nascemos. A sociedade e as religiões, calcadas em medos e culpas, restringem nossa tomada de decisão em determinados momentos.Somos o que queremos ser. Acreditamos no que queremos acreditar. Mas também somos o que fazem de nós. Tento não fazer julgamentos precipitados sobre as decisões polêmicas – polêmicas tanto para mim quanto para uma parcela das pessoas. Fiz várias leituras aqui. Talvez, daqui algum tempo, eu leia sob outro aspecto e encontre outras tantas. Primeiro, você expõe um ponto de vista bastante comum. A de que, todo e qualquer embrião, por mais que a ciência comprove o contrário, carrega em si, a consciência de ser. Segundo, você também tira o peso da culpa da mulher mostrando o poder do perdão – perdoar é difícil e é divino. Terceiro, sob o aspecto de a criança (espírito) perdoar, você mostra um ponto do Espiritismo – esse espírito tinha um tempo aqui na Terra e esse tempo a ser cumprido era mínimo, quase inexistente (eles têm um motivo de vir e serem tão breves – não tenho todo o conhecimento para discutir sobre isso, mas é basicamente isso). Quarto aspecto, é a pressão que a mulher sofre – e aqui temos as entrelinhas – de arcar com o peso de uma maternidade indesejada. Eu, por exemplo, sou uma pessoa que concorda com o aborto de uma gravidez decorrente de um estupro, muito embora tenha a certeza de que, nesse país, tal ação implicaria em tantos outros aspectos, tão ou mais complexos, quanto o aborto livre. Também percebo outros pontos que poderiam ser diluídos nessa leitura. Ressaltaria a questão do feminino, da pressão sobre o sexo, do feminismo (porque para mim, existe muita confusão entre feminino e feminismo), da responsabilidade para consigo mesma, do papel dos genitores ou dos cuidadores, da formação da própria sociedade, da construção das relações entre os casais, da lei, e outras tantas coisas. É um texto sensível, como eu disse, delicado por causa das questões que envolve. Parabéns. Grande e carinhoso abraço.

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    1. Oi, Mauro!!!! Que bom tê-lo por aqui! 10 é você! 😀 Obrigada pela leitura e apoio de sempre, abraços.

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  4. Olá Vanessa:
    Este é o primeiro texto seu que leio, mas está muito bem escrito. Quanto à escrita, não há o que apontar excepto a ausência dum sinal agudo numa palavra e a sua presença indevida uma outra vez.
    A história desenvolve-se bem,sem deixar perceber, antes da reta final, quem se está a despedir.
    princípio, meio, fim, enredo q.b., não necessita mais nada.
    Levanta uma questão bastante polémica, a do aborto.
    Creio que ninguém faz um aborto por prazer. Não acredito que alguém seja a favor do aborto. Penso que as mulheres, quando o praticam, é por sentirem que a alternativa é pior.
    E os motivos para isso são inúmeros. Nem vale a pena tentar esmiuçar. Você optou, no caso, por “mandar” a responsabilidade para cima do marido: “diz-lhe que uma única palavra dele teria sido capaz de mudar tudo e eu poderia ter nascido”. É uma das possibilidades. Apenas uma. Existem outras bens piores.
    Em Portugal, felizmente, o aborto foi despenalizado. Graças a isso, milhares de mulheres, anualmente, deixaram de contribuir para um “negócio” escandaloso e algumas dezenas deixara também de perder as suas próprias vidas às mãos de algozes sem escrúpulos.
    Sou a favor da despenalização de qualquer prática individual: desde o casamento homossexual, ao consumo de drogas, passando pelo aborto.
    Compreendo o seu ponto de vista e respeito qualquer pessoa que me diga que jamais o fará. Mas também respeito e compreendo quem o pratica.
    Acho mal legislar sobre a vida pessoal de cada um. Ser mãe, é para sempre. Há gravidezes indesejadas que não acontecerem apenas por desleixo ou, no extremo, por violação (estupro, como vocês dizem).
    E não deve haver nada pior que ser-se um filho indesejado.
    Voltando ao conto,como já disse, está muito bem escrito e você, em pleno direito, optou por defender a sua posição. Nada a apontar. Continue a dar-nos bons textos para ler e refletir.
    Parabéns e um abraço.

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  5. Oi, Vanessa!!
    Muito bom o seu conto, me emocionei e pude me colocar nos diversos personagens apresentados: o pai, a mãe, e depois a (possível) criança.
    É um tema bastante polêmico, envolve tanta gente, escolhas, éticas infindas e até hipóteses. A verdade é que sofro (e muito) com essa questão, o aborto.
    Sofro pela vida ( que não haverá, mas que já existia, sim), e sofro pelas pessoas que por um motivo, ou outro – não cabe a ninguém julgar, assim como também não entender – tomam essa atitude.
    Conheço casos e houve arrependimento, e grandes sequelas.
    Enfim…eu quero dizer que seu conto é ótimo, chorei, me emocionei, e você escreve muito bem!
    Beijo!

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  6. Puxa menina, vc. me enganou, estava sendo tocada por uma história de amor perdido e daí veio o choque. Gostei muito do conto, tema delicado e foi abordado com uma delicadeza absurda. Compartilho das ideias da Evelyn quanto ao livre-arbítrio e a visão religiosa e espírita sobre o assunto. Tive muitas vivências nessa área por meio das Constelações familiares, no qual participei e constelei. A Constelação trás uma nova abordagem sobre o assunto por meio das Ordens do Amor de Bert Hellinger (psicoterapeuta alemão que desenvolveu o sistema), que ensina que todos pertencem ao sistema familiar, inclusive os abortados. Quando um aborto não é aceito e perdoado no nível psicológico dos pais, principalmente o da mãe que tem um vínculo gestacional com a criança, as desordens psíquicas podem acontecer nos membros da família, por não enxergarem ou aceitarem aquele que foi excluído. Pode acontecer, e eu já acompanhei um caso assim, em que um filho do casal manifestava comportamentos de baixa autoestima na infância e na adolescência desenvolveu depressão. Na constelaçõe foi visto que esse filho não se sentia merecedor da vida, por honra ao irmão que não nasceu, ou seja, as memórias espirituais estão todas registradas no inconsciente. Esse sistema libera as culpas, permite o perdão e reorganiza as memórias afetivas, pois um filho será sempre filho, mesmo que não esteja nesse plano. Obrigada Vanessa por trazer esse tema no blog. Abçs.

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  7. O texto começa como um desabafo que sugere um mal resolvido caso de amor para no fim surpreender. aborto é um tema polêmico, mas como se diz: a gente não sabe as lutas que o outro está passando. Prefiro não julgar. Parabéns pelo texto singelo e emocionante.

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  8. A autora me enganou direitinho, viu? Pensei que se tratava de uma carta de despedida de uma mulher para o seu namorado, marido, amante ou coisa que o valha.Mas, não! Um ex-futuro filhinho que não veio a ser nada além de uma possibilidade de vida.
    Só encontrei um errinho: “atendimento à um cliente” > antes de masculino, não se usa crase.
    Texto sensível, com boa condução da narrativa e sem entraves.Bom trabalho! 🙂

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  9. Profundamente triste, Vanessa, Emocionante. A gente suspeita que não é a mensagem de um homem para uma mulher porque seria óbvio demais. Mas eu não estava preparada para a revelação. Penso que por mais banais e fúteis que sejam os motivos (se eles forem banais ou fúteis) nenhuma mulher sai sem feridas de uma decisão destas. Você conseguiu passar todo este peso com muita profundidade e sem ser panfletária. Você nos fez passear pelas emoções da protagonista com muita competência e sem erros. Eu gostei muitíssimo, menina. Um beijo e, por favor, escreva sempre.

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    1. Olá Iolanda! Que bom que você entendeu que eu NÃO QUIS ser panfletária!!!! Obrigada por ler, não somente com a visão crítica de uma escritora, mas também com a alma de uma leitora! Não sabe o quanto seu comentário me deixou feliz. Abraços.

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      1. Ah, que bom, Vanessa! Vamos seguindo juntas neste crescimento. Beijos.

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  10. Esse ”mamãe” me tirou da posição em que eu estava sentada e colocou uma pedra na minha garganta.

    Confesso que estava gostando do texto, mas não estava me identificando, cartas de amantes nunca me causa muita empatia, sabia que alguma surpresa estava por vir, mas não imaginei que fosse isso.

    Gosto de leituras que me surpreendam, mesmo na simplicidade a sua me proporcionou isso. É como um choque, e do nada várias emoções vem a tona. A tristeza, a raiva um julgamento. Imaginei o futuro desse casal, e todos os Se e talvez que preencheriam suas vidas. Imaginei um menininho indo a escola, e mostrando seu desenho para o pai, de uma família feliz.

    Sou contraria ao aborto por X motivos, então seu texto me comoveu e me deixou triste porque é real demais, comum demais…doloroso demais.

    Parabéns pelo texto, pela coragem nesses tempos esquisitos no que diz respeitos as opiniões. E por fazer de uma forma tão sublime.

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  11. Querida Vanessa,

    Tudo bem?

    Aida que escrevamos ficção, acredito que, de uma forma ou outra, sempre acabemos colocando um pouco de nós ou do que pensamos em um texto. Vivemos em um tempo no qual, se não se anda de acordo com o que a maioria pensa, somos logo criticados. Você tomou uma atitude muito corajosa ao publicar esse trabalho.

    No ponto de vista da escrita, é um conto delicado e, ainda que muitos pudessem torcer o nariz chamando de clichê, emociona. Ou ao menos foi o que houve comigo.

    Sobe o tema, me posiciono abertamente contra o aborto, por ser a favor da vida incondicionalmente. Não me envergonho de minha posição que, ao contrário do que diz a maioria, não me coloca de forma alguma em uma posição antifeminista. Se temos (e temos!) o direito de escolher sobre nossos corpos, também o temos ao escolher sobre nossas opiniões. E esta é a minha. Sem condenações aos que pensam diferente.

    Parabéns por seu trabalho belo e corajoso.

    Beijos
    Paula Giannini

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  12. Muito bom, Vanessa. Sensível e delicado, muito bem escrito e com um uma surpresa no final que impõe ao leitor um retorno ao texto. O que mais me encantou é esse sentimento de misericórdia, de perdão, de compreensão que você retrata no seu texto. Parabéns, mesmo! Grande beijo.

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  13. Que reflexão você nos trouxe, Vanessa! O conto não é uma história com entrecho, temática definida e desenvolvimento linear, mas antes uma articulação ficcional à maneira surrealista , na qual a técnica provoca mais um estado de espírito do que uma realidade narrativa – daí a surpresa ao descobrir quem é o narrador. Parabéns pela sensibilidade, pelo desenvolvimento da ideia tão polemizada. Que bom estarmos juntas aqui neste projeto. Beijos.

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  14. Oie, Vanessinha!

    Antes, deixe-me dizer: Estou muito feliz por, novamente, estar num mesmo espaço virtual que você. A cada postagem sua, enxergo um botãozinho de rosa desabrochando.

    Seu conto não pesa a mão em castigos divinos, nem demoniza quem, por seja lá qual motivo, tenha feito. Ao contrário, sua mensagem fala da própria consciência.

    – mas chegará um dia em que você olhará para trás e se lembrará de mim…

    >> As marcas deixadas na alma. O remorso. Porque na maioria das vezes é uma decisão sofrida. E nem sempre feita nos primeiros dias, alguns casos acontecem já no avançar de semanas, e muitos poderiam ser evitados apenas com o uso de preservativo. Disse muitos, não todos. Cada caso tem suas particularidades, nem sempre com o privilégio da escolha.

    http://www.acidigital.com/vida/aborto/tipos.htm
    Esse link fala dos métodos usados até com 32 semanas de gestação. Infelizmente, nem sempre se trata apenas de um “amontoadinho de células” sem terminações nervosa.

    Quanto a alegação de que somos donas do nosso corpo, acredito – e isso é apenas minha visão – que o corpo é empréstimo de Deus para a jornada humana.
    Por entender que o corpo é mais que um bem material no qual eu tenho direito de posse, e o que eu faço com ele está ligado a minha psique, antes dos meus direitos, eu tenho a obrigação de preservá-lo.

    E isso não está ligado a religiosidade, porque quanto a Cristo, esse abomina o pecado, mas AMA o pecador. E se nem Deus aponta o dedo acusador, quem sou eu para procurar pedras para lançar? Acho que a dor maior está na consciência, nas sequelas trazidas na carne, mente e espirito. E isso já é um fardo pesado demais para ser acrescido de julgamentos externos.

    Se sou contra ao aborto? Não me imagino fazendo um, pensar nisso me traz angustia. Não sou espírita, mas se fosse, diria até que fui abortada em outro plano. Sou contra o aborto, não contra quem o faz.

    Parabéns por trazer com leveza um assunto tão delicado.

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    1. Oi, Lee! Você disse TUDO! É exatamente assim que eu penso. Obrigada pela leitura 🙂
      (Também não sou espírita, embora disseram haver traços neste texto, não foi intencional não rsrsrs).

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  15. Olá, Vanessa!
    Ótimo texto, muito bem escrito. A principio, pensava ser uma carta de um romance que terminou. Mas, postiormente, ficou bem claro que seria o autor… O assunto é polêmico. Esse é um texto que nos faz refletir, imaginar e pensar sobre os “talvezes” das vida. Parabéns e abraço!

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  16. Texto tão especial que é de longe o mais lido deste blog. Um conto pungente, que emociona, maltrata, mesmo quem nunca passou pela situação, como eu, fica com o coração partido e lágrimas nos olhos. Vc é uma contista única, sensível e escreve maravilhosamente. Parabéns, minha amiga.

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