Vadia – desafio – Paula Giannini

Vadia

Vomitou assim, sem nem ao menos olhar seus olhos.

A moral.

Amoral.

Vadia é coisa de cadela bandeando feliz ao sol de meio dia. Vadia é coisa de rabo, balançando livre a fim de se livrar das moscas. E dos parasitas. Tão pequenos… Os ovos de varejeiras a eclodir. As larvas prontas a devorar as carnes macias da cadela. As da vaca. Feliz.

Alheia às mordidas de um ser que nasceu para a peçonha, sacudiu-se. E limpou do rosto da alma o vômito do maledicente. Quando a vadia é dona de seu focinho, não há verme capaz de lhe arranhar a pele.

Vadia.    

21 comentários em “Vadia – desafio – Paula Giannini

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  1. Uau, muito bom. Palavras fortes, um texto seco, apesar de poético, interessante isso. No início me soou um poema.
    Gostei da brincadeira que fez com “a moral” e “amoral”, boa sacada. Inclusive, todas as palavras foram muito bem escolhidas deixando o texto fluido, interessante e inteligente. Legal também o recurso que usou de sobretaxado em “do rosto”.
    No finalzinho sobrou um que: “não há verme capaz de que lhe arranhar a pele”.
    Boa mensagem, bom final.
    Parabéns.

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    1. Querida Fernanda,

      Obrigada pelo carinho e pela dica do que. É que o final era assim: “não há verme que lhe macule a pele”, e na revisão o que acabou sobrando… Achei que o macule não cabia bem na boca.

      Esse conto foi escrito com sangue nos olhos, devido a uma experiência que presenciei recentemente.
      Sobre o tachado, amo e uso muito em meus textos, desde o Ponche de maçã.

      😉

      Beijos
      Paula Giannini

      Curtido por 2 pessoas

  2. Uma crítica social em um formato de poesia. A cachorra, a vaca, a vadia, elementos usados para ofender mulheres. O mundo sempre quis enjaular mulheres em definições que lhes roubem autonomia. Proibiram de sair, proibiram de votar, proibiram de aprender, proibiram de escolher, de trabalhar, de ter opinião, até o mando do seu próprio corpo é discutido até hoje.

    Sua poesia, a sua cadela vadia, é a representação da liberdade, um protesto a estes grilhões, invisíveis para algumas, que insistem em nos colocar.

    Parabéns, Paula, pela sutileza da mensagem. Um grande início de desafio. Acompanhando. Abraços.

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    1. Obrigada, querida Iolandinha,
      Você foi a primeira a ler e comentar, como sempre.
      Obrigada pelo carinho e pelas colocações.
      Beijos
      Paula Giannini

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  3. Adorei, Paula. Virando do avesso as palavras que os idiotas usam para agredir. Nada mais puro, leve, livre e feliz do que vacas e cachorras e galinhas vadias! Obrigada pelo seu texto!

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    1. Ah, Ju, faltou o galinha… Mas tem tantos outros, não é? rsrsrs
      Obrigada pelo carinho.
      Beijos
      Paula Giannini

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  4. Paulinha,

    Maravilhoso, o duplo sentido dos xingamentos (metafórico e simbólico) ficou ótimo.
    É um texto para ser lido sem tropeços.
    Eu que conheço tua entonação, escuto ele dentro de mim na tua voz e vejo a força que ele tem.
    Gostei muito.
    Beijos

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  5. Quem nunca foi chamada de algum xingamento ou insulto por um homem, não sabe o que é ser mulher… infelizmente. Aos poucos – e muito devagar- vamos conquistando nosso espaço. Bjs ❤

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  6. Nada fácil vencer as barreiras nessa sociedade… Aos poucos – porque se nada é certo, tudo é possível -,, através da educação dos filhos, as mulheres consigam desestruturar todos os preconceitos, toda a egrégora negativa que paira sobre a humanidade e envenena os corações ignorantes.
    Parabéns pelo texto.
    Beijos e abraços carinhosos.

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    1. Querida Evelyn,
      Nada fácil.
      Quando se menos espera vem uma dessas pela frente… Quem sabe um dia a palavra respeito seja mais que retórica.
      Obrigada pelo carinho.
      Beijos
      Paula Giannini

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  7. Oi, Paula! Esse texto é uma bandeira, também um marco de resistência. Um rótulo rouba um rosto, pode roubar até mesmo uma vida. Vc fez dele labuta, trabalhando adjetivos, emporcalhando os xingamentos de reviravoltas, revertendo os significados. É um texto cuidadoso na escolha das palavras, cerebral, Ao mesmo tempo, um tapa na cara à la Cínthia Kriemler. E eu amo os textos da Cínthia. Não dão espaço para migalhas. Eles são certeiros, sem dó nem piedade. Um revide ao rosto arrancado. De tudo. De tantas. Amei demais.

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    1. Querida Sandra,
      Triste que ainda precisemos de bandeiras…
      Obrigada pela generosidade.
      Beijos
      Paula Giannini

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  8. A moralidade perversa manifestando sua ira contra a liberdade feminina. Vadia, cadela, vaca, o que for… a mulher é dona do seu nariz , do seu corpo todo e da vida que sustenta. Por isso o xingamento (veneno de cobra) nem a abala. Muito bom o desenvolvimento de ideias tão absolutas em poucas palavras. Parabéns!

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  9. Um texto original, tenso e, de certa forma, sombrio, embebido de pessimismo.

    Intermediário entre prosa e uma poesia visceral, lembrou- me Augusto dos Anjos. Infelizmente, há muitas formas de desamor: o preconceito é uma delas! Ainda bem que a protagonista foi mais forte. Resistiu.

    Parabéns pela ideia e escrita direta, objetiva. Os jogos de palavras me prenderam assim como o antilirismo, elementos que propiciaram a necessidade de uma reação da protagonista e do leitor.

    Forte e sensível ao mesmo tempo. Uau!

    Beijos. Grata pela leitura!

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  10. Pela escolha precisa das palavras, o uso das metáforas, o ritmo e o efeito provocado no leitor, seu texto é muito poético, mas não é poema, é Paula Giannini em seu estilo inconfundível. É claro que descumpriu as regras (contei 104 palavras!!!). Mas tudo bem, regras são mesmo para serem descumpridas nesse grupo de meninas travessas. Vai render um ótimo vídeo. Um beijo.

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  11. Parasitas tão pequenos…
    quem se banca e se ama, realmente abana o rabo pra este tipo de peçonha!
    amei a metáfora, baby!
    parabéns!

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